O Princípio da obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais
- Dr. Claudio Burck OAB/RS 93.954
- 28 de jan. de 2024
- 68 min de leitura

O princípio da obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais: difusão, significado de sua inserção como princípio constitucional e seus contornos após sua densificação no novo Código de Processo Civil.1
I - Introdução
Não há dúvida de que o contemporâneo entendimento doutrinário a respeito do processo está imbricado com o advento do estado constitucional de direito, e suas implicações para a jurisdição, em que esta assume uma posição de comprometimento com os fins daquele2, especialmente o de tutelar adequadamente os direitos fundamentais individuais e sociais afirmados pela ordem constitucional.
Tendo em conta que o Novo Código de Processo Civil brasileiro, recentemente promulgado, reflete em grande medida os resultados do debate doutrinário travado a partir da tendência à “constitucionalização do processo” (assim como a dos demais ramos do Direito), e perseguindo o objetivo de investigar o dever de fundamentar as decisões judiciais - a que corresponde, simetricamente, um direito fundamental processual, conforme disposto pelo novo código, intenta-se aqui promover uma singela revisão dos pricipais aspectos do princípio da obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais.
Como verificaremos a seguir, este princípio é amplamente considerado pela doutrina como um dos pilares da administração democrática da justiça e até mesmo como sendo inerente ao Estado Constitucional, na medida em que visa a possibilitar o controle democrático difuso sobre o exercício da função jurisdicional, um dos poderes do Estado; na medida em que este poder é exercido por quem não investido da representação popular, sua legitimidade dependerá da racionalidade, coerência e universalidade das decisões jurisdicionais, o que só pode ser efetivamente aferido pela sociedade se efetivamente atendido o dever de motivar, com observância de seus cânones, constitucionalmente estabelecidos e presentemente densificados no novo Código de Processo Civil brasileiro.
Além de sua importância, função e relevo relacionados ao controle democrático da jurisdição no quadro do Estado Constitucional, o princípio da obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais tem também a função de permitir o controle intersubjetivo das partes envolvidas numa disputa judicial, estando, portanto, fortemente vinculado a outro princípio fundamental da justiça democrática, qual seja, o princípio do contraditório, ambos, por sua vez, ensejadores da observância do princípio da publicidade, condição para o exercício dos dois primeiros.
O dever de motivar, que, como observa Michele Taruffo, foi em alguma medida antecedido pela praxe de motivar as decisões, difunde-se a partir da emergência do que Engels denominou “concepção jurídica do mundo”3, e como corolário desta; assim, a necessidade de fundamentação nasce com a afirmação do modo-de-produção capitalista, onde a consolidação e justificação das novas relações sociais e do exercício do poder característicos da modernidade fundam-se na idéia de que estes resultam da razão humana, expressão de uma racionalidade, pretensamente universal, afirmada na igualdade formal, no contratualismo e na emergência dos sujeitos de direito; assim, o exercício do poder jurisdicional só pode ser expressão de racionalidade, a qual, por sua vez, deve obrigatoriamente ser demonstrável.
Portanto, a difusão do dever de motivar, assim como a difusão que lhe antecede da praxe judicial de motivar as decisões, tem origem no mesmo lócus espaço-temporal em que
tem origem e afirmação o modo-de-produção capitalista e suas relações sociais e jurídicas, assim como o estado moderno e o constitucionalismo - a Europa Ocidental; assim, aproveitando a exposição feita por Michele Taruffo em sua obra clássica “A motivação da sentença civil”, esboçaremos uma breve síntese histórica sobre a difusão do instituto naquele continente a partir do século XVIII, que se desenvolve, por óbvio, no contexto também histórico, político e jurídico daquele continente e naquele tempo.
O princípio do dever de motivação das decisões judiciais, no entanto, adquire contornos muito mais transcedentes, como já assinalado nesta introdução, no quadro do Estado Constitucional, conformado pelo neoconstitucionalismo, que se consolidam a partir do segundo pós-guerra, sendo inserido como princípio constitucional nas principais constituições democráticas que surgem neste período. Assim, julgou-se oportuno4 inserir neste estudo uma revisão tópica sobre a evolução e panorama do constitucionalismo moderno e do neoconstitucionalismo, revisão que culmina com uma também tópica abordagem a respeito do pensamento jurídico contemporâneo e sobre a concepção contemporânea da jurisdição.
Assentadas as bases que julgamos indispensáveis para a compreensão das principais implicações e características do princípio do dever de motivação das decisões judiciais, agora com status de princípio constitucional, e inserido na concepção contemporânea da jurisdição, esboçamos o que entendemos ser, justamente, suas principais implicações e características, até procedermos a uma análise da densificação do princípio consubstanciada no novo Código de Processo Civil brasileiro.
É fundamental destacar que o estímulo determinante para empreender pesquisa sobre o tema foi a recente edição brasileira da obra clássica de Michele Taruffo, cuja primeira edição italiana se deu em meados dos anos 70 do século passado; a apresentação feita pelo autor à edição brasileira é um texto primoroso, que requalifica com muita elegância e rigor vários dos insights e abordagens do texto original.
II – Breves linhas sobre a história da difusão do princípio da obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais.5
Michele Taruffo traça um panorama histórico a respeito da “difusão” e da “origem” do princípio da obrigatoriedade das decisões judiciais, situando na segunda metade do século XVIII a emergência do instituto nos ordenamentos processuais da Europa continental; após esta afirmação inicial, o mestre italiano ressalva que não deve extrair-se disto uma apressada generalização e uniformização da compreensão sobre as raízes e a natureza do fenômeno, ao ter-se especialmente em conta a diversidade de (1) “soluções que esse experimenta em cada um dos sistemas processuais”, e (2) “finalidades que os diferentes legisladore parecem ter perseguido ao impor ao juiz civil o dever de motivas as próprias decisões6”; feito o alerta, Taruffo, no entanto, reafirma: é “possível colher na segunda metade de Setecentos a origem do instituto em termos análogos àqueles que emergem no âmbito dos ordenamentos processuais modernos.”7
Antes de partir para o relato das circunstãncias históricas da França, da Prússia, da Áustria e dos estados italianos, Taruffo destaca que a irupção do dever de motivação foi precedida pela práxis da motivação das sentenças, presente especialmente em alguns estados italianos desde o século XIII (embora aponte a existência de sentenças motivadas prolatadas em Pavia já no ano 673) e também na Alemanha. Estes exemplos e esta tendência efetivamente presente, no entanto, segundo o insigne processualista italiano, não permitem “sutentar que a prática da motivação tenha constituído um fenômeno constante e generalizado, dado que se pode entender como dominante até o século XVIII a praxe da sentença privada de motivação.”8
Estas observações, feitas tendo em vista a experiência continental europeia, são secundadas pela referência aos “ordenamentos do common law, nos quais a praxe quase generalizada da motivação convive ainda hoje com a ausência de qualquer dever imposto ao juiz”9; mais adiante, ao desviar o foco de sua retrospectiva histórica especificamente para estes ordenamentos, Taruffo sustentará que é justamente como decorrência desta longínqua e consolidada tradição de motivar as sentenças que não se apresentou a necessidade de legislação e jurisprudência formularem regramento explícito sobre o tema nos ordenamentos do common law.10
Por outro lado, da mesma forma que a ocorrência de uma práxis de motivar as sentenças nos estados italianos e alemães desde o século XIII não permite afirmar sua generalização antes da segunda metade do século XVIII, tampouco se pode afirmar a inexistência de prescrição normativa impondo a motivação em período anterior ao situado como de generalização do dever de motivar; Taruffo aponta sua ocorrência desde o século XIII em alguns ordenamentos na Itália.11
A positivação do dever de motivação das decisões aparece no ordenamento jurídico francês como decorrência direta da Revolução, “como um resultado autônomo e original da ideologia democrática da justiça que emerge no âmbito da própria revolução”12; o princípio é expresso em 1790 na lei (revolucionária) sobre a organização judiciária e inserido a seguir na Constituição do ano III, em seu artigo 208. Taruffo identifica na emergência do princípio não uma manifestação de uma construção doutrinária de linhagem jurídico-filosófica, e sim uma afirmação político-ideológica, “ainda que as condições criadas pelo iluminismo em geral, e pelo iluminismo francês em particular, representem os seus necessários pressupostos de fundo.”13
Neste sentido, a imposição do dever de motivação da decisão judicial é instrumento necessário do controle sobre a legalidade do juízo, tendo este controle, por sua vez, a função de garantir “o primado da lei”, a afirmação do ordenamento jurídico burguês que se ergue contra o ancien regime. A instituição do Tribunal de Cassation como suprema instância do controle de legalidade (e, segundo Taruffo, “destinatário principal, ainda que não exclusivo, da motivação”14) se coaduna com esta necessidade política de afirmar a nova ordem, tendo em vista especialmente a notória identificação dos órgãos judiciais então existentes com o regime que findava.
Estas peculiaridades da história e das circunstâncias em que inserido o dever de motivação no ordenamento francês explicam, segundo Taruffo15, o fato de que o instituto surja então sem quaisquer limitações, e seja exercido de forma ampla.
Diversa é a situação da inserção do dever de motivar as decisões na legislação da Prússia, em que o instituto tem nítida feição endoprocessual, destinado, “de um lado, a permitir às partes o claro entendimento do conteúdo da decisão e de valorar a oportunidade de recorrer ou não, e, de outro, a tornar mais fácil a arefa do juízo recursal.”16 Esta característica está presente em toda a linha evolutiva do instituto, desde a praxis da “motivação secreta e destinada a ser utlizada exclusivamente pelo juízo recursal”17, anterior à primeira inserção no ordenamento prussiano do dever de motivar, efetuada no Codex Fridericianus Marchicus em 1748; a partir daí, a motivação da decisão passa a ser de conhecimento das partes, ainda que de forma restrita, eis que o Codex (1) não dispõe um “princípio geral” do dever de motivar, e sim uma série de dispostivos ligados aos diversos tipos procedimentais, e (2) não dirime “incertezas ligadas à publicidade da motivação”18; estas questões serão superadas por intermédio da lei de reforma geral de processo (Allgemeine Gerichtsordnung), cuja primeira promulgação ocorre em 1781, revisada e publicada em sua forma definitiva em 1793; Taruffo, no entanto, ressalta que o instituto segue tendo uma finalidade estritamente endoprocessual, não enderaçando-se à função de permitir um controle democrático e difuso das decisões judiciais19, o que consiste em considerável distinção em relação à instituição do dever de motivar em França.
Esta experiência prussiana, no entanto, é considerada por Taruffo como “um movimento evolutivo muito avançado, se comparado com as soluções a que chega a reforma processual na Áustria”20; com efeito, o processualista italiano reporta que no código austríaco, editado ao tempo da primeira versão do prussiano Allgemeine Gerichtsordnung, além de não haver previsão da obrigatoriedade da motivação da decisão, está expressamente disposta a “vedação para o juiz de exprimir na sentença as razões da decisão”21 (ressalvadas aquelas passíveis de recurso, mediante pedido das partes); a explicitação das razões da decisão, nestes casos, seria restrita às partes e ao juízo recursal, sem qualquer publicidade, configurando-se na experiência histórica austríaca a expressão mais radical da concepção exclusivamente endoprocessual da motivação.22
A última das experiências singulares referidas por Taruffo em seu repassar histórico com corte específico nas reformas do século XVIII na Europa (“introduzidas pelos governos chamados iluminados”23) é a experiência italiana, se é que se pode adjetivar como “singular” uma trajetória que é percorrida por “Estados” italianos e que é marcada pela heterogeneidade. Segundo Taruffo, “até o século XVIII convivem ordenamentos em que a motivação não existe ou é secreta, ordenamentos em que essa é obrigatória e pública apenas em casos limites e, enfim, ordenamentos em que o princípio da obrigatoriedade e publicidade da motivação está generalizado”24. Esta disparidade de disposições normativas não seria eliminada pelas reformas processuais setecentistas, que introduziriam alterações não profundamente significativas nos ordenamentos em que já se encontrava presente a motivação das decisões, ou, nos casos em que inexistia o dever de motivar, introduziam-no de forma limitada.25 As exceções, no sentido de “inovação radical”, seriam consistidas pela introdução do dever de motivar em ordenamentos em que este inexistia: “a pragmática napolitana de 1774 e o chamado código barcoviano promulgado no Principiado de Trento em 1788.”26
Entendendo (sob o ponto de vista da retrospectiva histórica do princípio da obrigatoriedade da motivação) pouco significativo o código trentino, que aponta como imitação de outros modelos, especialmente a legislação prussiana e a pragmática napolitana, Taruffo foca a análise nesta última, considerando que “essa carrega uma carga bem maior de originalidade e de capacidade inovativa em relação às concepções dominantes no momento em que foi promulgada”27; mesmo supondo que a finalidade perseguida pelo autor da reforma (Tanucci) fosse imprimir maior racionalidade à administração da justiça, entende que a reforma, objetivamente, nos termos em que dispôs ao juiz o dever de motivar as sentenças, submeteu a atividade jurisdicional ao controle democrático, pondo em relevo a função extraprocessual da motivação; a “pragmática napolitana” antecipou-se, portanto, ao “legislador revolucionário francês”, e provocou, por conta da originalidade e radicalidade de que era portadora, tal reação “da classe judiciária e forense” que uma lei de 1791 transformou em faculdade do juízo o que fora imposto como dever.28
Taruffo, ao sintetizar29 as consequências das reformas do século XVIII levadas a cabo pelos governos iluministas nos estados italianos, conclui pela inocorrência de “inovação geral e radical” no que denomina como “o problema do dever de motivação”, na medida em que (1) tal dever apenas em Trento e Nápoles foi introduzido de forma integral, (2) em estados em que não era abordada anteriormente a questão da motivação esta foi introduzida com dimensão restrita, (3) em outros estados, não houve qualquer reforma, e, nestes, apenas a legislação florentina continha o dever de motivação, e, por fim, (4) em muitos estados italianos manteve-se a ausência, nas normas processuais, da imposição do dever de motivar, mesmo que de forma limitada.
Este quadro geral tem apenas uma única inflexão, consistida pela efêmera imposição do “princípio geral da obrigatoriedade da motivação” nas constituições das repúblicas jacobinas formadas a partir da “expansão napoleônica”; trata-se, portanto, na visão de Taruffo, de uma decorrência da direta incorporação dos modelos da legislação revolucionária francesa (em especial a Constituição de 1795) aos novos estados, não resultando do iluminismo ou jacobinismo italianos.
Estas observações, voltadas ao panorama dos estados italianos, são consideradas por Taruffo como válidas, em linhas gerais, para a situação do continente europeu em fins do século XVIII.
Os distintos arranjos normativos vigentes ao final do século XVIII expressariam (sempre seguindo o autor italiano) as duas concepções sobre a função e finalidade da motivação da decisão judicial: a primeira foca o aspecto extraprocessual do princípio, em que posta em relevo a função de permitir o controle externo da decisão judicial, ou seja, precipuamente, o controle, pela “sociedade”, do modo como o juiz exerce o poder do qual é investido. Nesta concepção, a motivação deve ser necessariamente pública, e o correspondente dever de motivar é irrestrito e desvinculado do interesse das partes ou de eventual juízo recursal. Mais uma vez Taruffo destaca entender que esta concepção (de função e finalidade extraprocessuais) e sua positivação não estão fortemente vinculadas geneticamente à “cultura jurídica do iluminismo global”, e sim à “ideologia política do iluminismo democrático”, e sua “manifestação mais coerente e completa aparece na legislação revolucionária da França.”30
A segunda concepção – dominante, segundo Taruffo – é aquela para a qual a função da motivação da decisão é fundamentalmente endoprocessual, voltada a facilitar o entendimento do significado das decisões, tanto para permitir às partes melhor aferir a conveniência de recorrer da decisão quanto permitir ao juízo recursal melhor compreensão do fundamento da decisão eventualmente impugnada. Podem conviver com esta concepção, portanto, limitações “seja no que concerne ao regime da publicidade da motivação, seja no que tange à extensão do seu dever”31, chegando ao extremo de ser logicamente compatível com a finalidade endoprocessual regulamentações que expressamente proíbem a motivação “de ofício”, facultando às partes requerê-la com o intuito de recorrer, ou que vedem sua publicidade, restringindo-a às partes e ao juízo recursal. Taruffo vincula geneticamente a emergência desta concepção (que tem expressão nas legislações prussiana, austríaca e dos estados italianos atingidos pelas reformas do século XVIII) não à “ideologia política do iluminismo democrático” e sim ao “racionalismo funcionalístico e burocrático do despotismo iluminado.”32
A inocorrência de uniformidade nas legislações processuais europeias ao final do século XVIII no sentido de compreender a “sentença como decisão necessariamente motivada” é indicativo, no entendimento de Taruffo, do caráter muito mais decisivo da “tendência à reorganização e à simplificação da administração da justiça” – tendência coerente com o programa do “despotismo iluminado” que caracteriza os estados prussiano e austríaco33 – do que da influência do “racionalismo filosófico derivado do jusnaturalismo”: este responderia mais por prover um “estímulo polivalente” do qual decorrem distintas “respostas”, delineadas pelas também distintas circunstâncias políticas de cada experiência histórica concreta; assim, na França revolucionária é posto em relevo o caráter extraprocessual da motivação (com a consequente imposição do dever irrestrito de motivar a sentença), ao passo em que nos estados em que imperava o “despotismo esclarecido” (Áustria, Prússia, estados italianos) sobressai o caráter endoprocessual da motivação, que convive com limitações e restrições, e que chegava ao extremo oposto ao da imposição do dever de motivar, qual seja, a da proibição da motivação “de ofício” e pública.34
Há que por aqui em relevo uma importante ressalva feita por Michele Taruffo: a ocorrência, em algumas legislações onde sobressai o caráter endoprocessual (característico das circunstâncias políticas do “despotismo iluminado”) de “finalidade assinalada à motivação aonde essa é prescrita especialmente para os órgãos jurisdicionais superiores ou para as causas de maior importância”35; aqui há uma finalidade extraprocessual, mas voltada à formação de jurisprudência e da eficácia de precedente, diferentemente das anteriormente assinaladas finalidades ligadas ao controle da atividade e do exercício do poder dos juízes.
Estes são os aspectos, apontados pelo mestre italiano, que caracterizam “o problema da motivação” no século XVIII; a questão, naturalmente, tem sequência no século XIX36, e a primeira observação de Taruffo diz respeito à efemeridade da perspectiva de afirmação do dever de motivar com dignidade de princípio constitucional: este breve período é interrompido pela queda das repúblicas jacobinas (ou sua substituição por “estados napoleônicos”), e este fato marca o declínio do “contexto político-ideológico que levou à recepção do modelo revolucionário francês representado pela Constituição de 1795.”37
A “evolução do problema [princípio da obrigatoriedade da motivação] nas codificações oitocentistas” será marcada, segundo Taruffo, ao longo do século XIX, pela diminuição da influência da “ideologia democrática da justiça” - e da correspondente concepção extraprocessual da motivação - pari passu ao crescente predomínio da concepção endoprocessual38; permanece, no entanto, a influência francesa sobre as legislações italianas, mas restrita ao plano infraconstitucional. O Código de Processo Civil napoleônico, cujo artigo 141 dispõe que na sentença sejam expostos os motivos da decisão, é diretamente recepcionado em diversos estados italianos, e, nos casos em que tal não ocorre ou quando “cessa sua aplicação direta em face da superveniência de legislação autônoma”39, persevera, no entanto, a influência do código francês, tido “como o modelo mais avançado de regulamentação processual.”40 Esta marcante e predominante influência do código napoleônico de processo não impede, porém, que em algumas legislações de estados italianos – após a “experiência napoleônica” – tenha se dado não a emergência de uma nova regulamentação do processo, e sim um retorno (adaptado) ao austrícaco código josefino, que dispunha “a proibição de expressão dos motivos na sentença, ressalvada a faculdade das partes de obter a comunicação para a elaboração do recurso.”.41 A unificação da legislação processual italiana em relação ao dever de motivar somente ocorrerá em 1865, por intermédio do Codice di Procedure Civile, em que o artigo 436 equivale ao artigo 132 do atual código processual italiano.
Entende Taruffo que, assim como no século anterior, no século XIX a evolução da legislação italiana sobre o dever de motivação ocorre em termos análogos à evolução das demais legislações europeias: na França, o artigo 7 da lei de 20 de abril de 1810 dispõe a nulidade da sentença como efeito da violação ao dever de motivar disposto no artigo 141 do código processual napoleônico; na Prússia persevera (ao longo de todo o século) o princípio da obrigatoriedade da motivação “nos moldes delineados pela Allgemeine Gerichtsordnung de Frederico II”42; no entanto, o dever de motivação foi inserto em algumas legislações somente na segunda metade do século, “com um notável retardo, portanto, em relação às linhas evolutivas do problema nos ordenamentos italianos, bem como no francês e no prussiano”43: é o caso da Baviera (1861, Prozessordnung), Áustria (onde a proibição de motivação vigorou até a inserção do dever de motivar na Civilprocessordnung, em 1895), e o da singular experiência espanhola, onde fora vedado em 1778, por Carlos III, o costume de motivar as sentenças, para “evitar manobras maliciosas das partes e conseguintes prolongamentos do processo”44, proibição que perdurou até 1881, por intermédio do artigo 372 da Ley de Enjuiciamiento Civil, que dispunha que a sentença deve exprimir a fundamentação da decisão.
Na síntese conclusiva que faz a respeito da evolução do princípio da obrigatoriedade da motivação ao longo do século XIX (nos ordenamentos italianos e europeus continentais), Taruffo distigue duas etapas: na primeira metade do século a crescente difusão do dever de motivar as sentenças é caracterizada pela tendência deste circunscrever-se ao seu aspecto endoprocessual, “técnico-jurídico”, vis-a-vis à simétrica e inversa tendência “à diminuição da sensibilidade, devida essencialmente à mudança do clima político, em relação à função extraprocessual da motivação.”45; por outro lado, esta crescente difusão da imposição do dever de motivar, nas legislações processuais – ainda que nesta etapa este dever não esteja complementamente disseminado nas normativas europeias -, é acompanhada pela ausência, no plano constitucional, da “sua afirmação como princípio geral do ordenamento e da função jurisdicional.”46 Taruffo ressalva entender que não se deve valorizar em demasia o significado “histórico-político” da introdução do dever de motivar nas legislações infraconstitucionais, haja vista seu caráter eminentemente endoprocessual, e levando em conta que “com essa visão é compatível até mesmo a solução , escolhida pelo ordenamento austríaco, da vedação de motivação expressa.”47.
A segunda etapa, que corresponde às reformas processuais que vão “do Codice di Procedura Cvile de 1865 na Itália até a Civilprozessordnung austríaca de 1895”48 é marcada por dois fatos: o primeiro consiste em que é ao final dela que se verá o princípio da obrigatoriedade da motivação presente em todos os ordenamentos processuais europeus (no plano infraconstitucional).
O segundo fato marcante consiste em as reformas que caracterizam esta etapa incorporaram “uma ampla e articulada elaboração doutrinária e jurisprudencial sobre o tema do dever de motivação”49, construção resultante da experiência jurídica ocorrida naqueles estados cujos ordenamentos contemplavam o princípio; especialmente relevante, neste sentido, teria sido a jurisprudência da Cassação francesa, que fixara na primeira metade do século os “princípios fundamentais” do instituto e “as consequências de sua inobservância”: “As codificações da segunda metade de Oitocentos recepcionam de forma bastante uniforme os resultados de semelhante elaboração jurídica do tema, em especial no que atine à configuração de nulidade da sentença derivante do vício de motivação e à configuração dessa última como requisito de forma/conteúdo da sentença.”50
As considerações finais de Michelle Taruffo são, pensamos, especialmente importantes: a hegemonia da concepção endoprocessual da motivação da sentença, com a consequente mitigação dos componentes “político-ideológicos” ( ligados a uma concepção democrática da justiça), que caracteriza a evolução do instituto no período relatado, é possibilitada pela convergência entre a ideologia liberal e as ideologias autoritárias (despotismo iluminado) concomitantemente presentes no cenário europeu do século XIX no sentido de não abordar, ou não ter em conta, “o problema do controle democrático sobre o trabalho do juiz”; Taruffo vai mais longe: atribui a ampla disseminação do princípio da obrigatoriedade da motivação nos ordenamentos processuais neste período justamente “ao fato de que já na primeira metade do século tinha ocorrido a radical atenuação dos componentes mais tipicamente políticos que esse princípio manifestou no breve momento revolucionário.”51. Esta circunstância – a atenuação da substância democrática da concepção de justiça presente nos momentos iniciais da Revolução Francesa - será, segundo Taruffo, não apenas “a caraterística dominante da concepção da motivação que caracteriza o século passado [XIX], mas também o aspecto mais relavante das premissas culturais e jurídicas que, ainda em época recente, levou a uma decidida redução da dimensão do princípio fixado na primeira parte do artigo 111 da Constituição.”52
III - O Estado Constitucional de Direito, neoconstitucionalismo e jurisdição: notas sobre o pensamento jurídico contemporâneo
O constitucionalismo moderno e o neoconstitucionalismo: panorama geral e retrospectiva histórica
O constitucionalismo moderno, assim como o Estado Moderno, surge como resultado do processo histórico da afirmação do modo-de-produção capitalista e da hegemonia burguesa, que culmina com a “dupla revolução” francesa e inglesa (industrial)53. Tratou-se de um “projeto político-histórico de tradição liberal”54 que teve que haver-se com o Estado Absolutista e o Constitucionalismo Antigo55 - estes, por sua vez, já decorrentes do longo processo de decomposição do modo-de-produção feudal com a gestação concomitante do capitalismo – antes de dar o coup de grâce no Ancien Régime.
Estabelece reflexão doutrinária e teórica que responde à necessidade de estabelecer uma nova fundamentação, com pretensão de universalidade, para o domínio político, e onde devem estar contempladas questões56 referentes à racionalidade iluminista, liberdade, igualdade, individualismo, e especialmente à legitimidade, à organização e contenção do poder. Isto é facilmente constatável a partir da observação das definições e assertivas doutrinárias sobre constitucionalismo e constituição modernos57, desde aqueles mais
próximos de sua gênese histórica até os que conformam o que, ainda que com contornos não totalmente nítidos ou assentados em consenso doutrinário, pode ser entendido por neoconstitucionalismo.58
Constituindo a “dupla revolução francesa e industrial” o movimento final de afirmação da burguesia como classe hegemônica, em seu aspecto de luta política contra o Estado Absolutista (aliado da primeira hora do capital mercantil e depois convertido em força reacionária à revolução industrial e à afirmação burguesa) e contra o constitucionalismo antigo, os movimentos revolucionários que comporão as “matrizes” do constitucionalismo liberal, no entanto, serão a Revolução Inglesa de 1688 (Revolução Gloriosa), a Revolução Americana de 1776 e a Revolução Francesa 1789. O fato de que esta última influenciará de forma notável o ideário constitucionalista moderno59 passa pelo fato de constituir a face “política” da dupla revolução que acabou com os últimos resquícios do feudalismo e do absolutismo, pelo seu caráter “fractal”, para utilizar a expressão de Canotilho.
Assim, as definições e o objeto do constitucionalismo em sua primeira fase de constitucionalismo liberal incorporará uma dimensão de direitos fundamentais subjetivos (com ênfase na igualdade formal e no direito absoluto à propriedade), e uma dimensão de contenção do poder do Estado. Em luta contra o Estado Absolutista, contra os privilégios estamentais e os resquícios da propriedade e servidão feudais, o constitucionalismo liberal terá de afirmar as liberdades e igualdade formais, o direito irrestrito à propriedade capitalista, o caráter absoluto da “autonomia da vontade” e dos contratos. Esta será a “tarefa” do constitucionalismo liberal, que, na sua fase de instrumentalizar a afirmação da burguesia revolucionarária, proclamará os valores universais resgatados do jusnaturalismo humanista60, que afirma a existência de direitos fundamentais inerentes à existência humana, decorrentes de um direito natural e não de qualquer direito estatal positivo.
Afirmados o “Estado Liberal”, o modo-de-produção capitalista, e a burguesia como classe hegemônica, restará esvaziado61 o conteúdo humanista do Direito em sua praxis, que gradativamente assumirá uma feição positivista e formalista, que perdurará até o advento do Estado Social e do Estado Democrático de Direito.
De qualquer forma, ainda que tendendo, nas suas declarações abstratas universais, ao formalismo, e derivando de três modelos históricos distintos (francês, inglês, norte- americano), o constitucionalismo liberal gerará o que Canotilho62 assinala como “um conceito de constituição [que] converteu-se progressivamente num dos pressupostos básicos da cultura jurídica ocidental”, e que, na visão de Rogério Soares (citado por Canotilho), comporia o “conceito ocidental de constituição” – “(1) ordenação jurídico- política plasmada num documento escrito; (2) declaração, nessa carta escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo de garantia; (3) organização do poder político segundo esquemas tendentes a torná-lo um poder limitado e moderado.”
Trata-se de um “conceito ideal” que não corresponde integralmente “a nenhum dos modelos históricos de constitucionalismo”, sendo uma razão para falar-se não em “constitucionalismo” e sim em “constitucionalismos”, a partir dos três matizes e seus respectivos “processos constitucionais”, surgindo aqui também a distinção dos “ciclos longos” (processo constitucionalista inglês) e dos “momentos fractais” (processos constitucionalistas francês e norte-americano).
Os “constitucionalismos” serão flexionados pelos antagonismos desta forma social específica que é o modo-de-produção capitalista; assim, as definições, as proposições, o objeto, escopo e conformações de “Estado” que decorrem das distintas fases do “constitucionalismo” resultarão antes de mais nada das lutas históricas dentro da sociedade, 63 que irão determinar as construções doutrinárias do constitucionalismo e que resultarão em expressões (e nas realidades por elas designadas) como “Estado liberal”, “Estado de Direito”, “Estado Social”, “Estado Democrático de Direito”, “Neoconstitucionalismo”, “Constitucionalismo contemporâneo”, “Dirigismo constitucional”, “Estado Legislativo”, e no contemporâneo entendimento de “Estado Constitucional”.
Portanto, o desenvolvimento do constitucionalismo, e a conformação do “Estado Constitucional” decorre de um processo histórico, que percorre etapas até atingirmos, na contemporaneidade, o postulado da normatividade e supremacia da Constituição.64 Ao “Constitucionalismo Liberal” e ao “Estado Liberal”, que estabelece uma separação entre
Estado e Sociedade, limitada a atuação do primeiro a assegurar a ordem capitalista, a igualdade formal, e os direitos do cidadão-proprietário, sucederá o Constitucionalismo Social e o Estado Social, gestados pela emergência da “questão social”65 produzida desde o século XIX pela revolução industrial e pelo consequente surgimento e emergência do proletariado como classe social, acicatados pela Revolução Russa de 1917; este Constitucionalismo Social incorpororá às constituições direitos sociais e trabalhistas, exigindo a atuação e intervenção do Estado para sua efetivação. Reconhece-se que a mera declaração de igualdade (formal) não conduz à igualdade substancial, para cuja obtenção e efetivação deverá concorrer o Estado através de políticas públicas prestacionais.
O “Estado Social” e seu correspondente constitucionalismo terão como expressão precursora as cartas constitucionais do México (1917) e de Weimar (1919), e serão influenciados pelo New Deal norte-americano da década de 1930, em resposta à gravíssima crise mundial capitalista de 1929 e à Grande Depressão que lhe sucedeu.
Esta conformação de “Estado Social” não logrou evitar a Segunda Guerra Mundial; a percepção, no entanto, da necessidade de intervenção do Estado para garantir a acumulação capitalista através de políticas anticíclicas de cunho keynesiano, e impedir que as tensões sociais tornem-se agudas ao ponto de colocar em risco o sistema, havia se cristalizado, assim como fortalecera entre a classe trabalhadora a consciência de sua força e a convicção de seus direitos. Torna-se imperativo, portanto, no pós-guerra consolidar o “Estado Social” e instrumentalizá-lo para efetivar os direitos fundamentais, inclusive os sociais e trabalhistas. Há neste contexto outro importante fator: a percepção de que a ascensão nazista na Alemanha (e a conseqënte barbárie), em grande medida, foi alcançada dentro de marcos legais legislativos da política majoritária66.
Responde a estas questões o neoconstitucionalismo (conceito que é utilizado mesmo com a ressalva da falta de consenso sobre seu significado e alcance). É então que passamos a ter a normatividade plena da Constituição, com os princípios e regras (e postulados normativos, segundo parte da doutrina) nela insculpidoss como espécies do gênero norma. A Constituição passa a ter efetiva e substancial supremacia na ordem jurídica, ultrapassando a supremacia do legislativo. Ao “Estado Legislativo” sucede o “Estado Constitucional”. A política é conformada pela ordem constitucional, a ordem constitucional sendo conformada por uma força política democrática67 em que se reconhece legitimidade para estabelecer, através da Constituição, um projeto, um programa, que “dirige”, vincula o Estado-executivo, Estado-legislador, Estado-juiz, e a própria sociedade. Esta “supremacia” da Constituição, em superação à supremacia da legislação – que marcava o constitucionalismo (com exceção do norte-americano) até o advento do neoconstitucionalismo, tem por base uma reflexão sobre supremacia da soberania popular em um “momento constituinte”, tido por um momento em que há uma intensa participação da cidadania no estabelecimento de um pacto constitucional, com afirmação de amplo catálogo de direitos fundamentais, postos a salvo de inflexões propostas por correntes circunstancialmente majoritárias na luta política. Estas correntes, caso manifestam-se em conformidade com as regras constitucionais do exercício da representação e deliberação políticas, também são, por definição, expressão da soberania popular, mas exercida num momento não marcado pela “liberação de energia política constituinte”, sendo, portanto, um “poder constituído”.
Há um acréscimo de novas “dimensões de direitos” e de institutos processuais para instrumentalizar sua efetivação68. No Brasil, podemos referir o Mandado de Injunção, a Ação Civil Pública, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, Ação Declaratória de de Inconstitucionalidade por Omissão. A normatividade plena e suprema, inclusive dos princípios, determina a crescente constitucionalização de todos os ramos do Direito (e muito especialmente o Direito Processual Civil), cujas normas têm de passar pelo filtro constitucional, seja para determinação de sua validade e eficácia, seja para a aplicação mediante a interpretação constitucional. Estes fenômenos todos implicam numa grande ampliação da jurisdição constitucional, com grande atividade das cortes e tribunais constitucionais, e do exercício do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos por juízes e tribunais.
O neoconsitucionalismo têm como marcos a Constituição de Bonn (Alemanha, 1949) e a própria atuação da corte constitucional alemã, além do aporte das constituições da Itália, Espanha e Portugal, o que denota, por sua vez, o forte impulso proporcionado pelos processos de redemocratização ao novo movimento constitucional.69
O pensamento jurídico contemporâneo na perspectiva do direito processual civil
Fredie Didieer Jr. esboça interessante síntese70 sobre o panorama do “pensamento jurídico contemporâneo”, a partir das transformações que tiveram forte influxo na segunda metade do século XX e que culminam com a emergência do neoconstitucionalismo, cujo processo histórico abordamos topicamente acima; tal síntese se dá, conforme explicitamente assumida por seu autor, tendo em vista especialmente seus reflexos no direito processual civil e na teoria geral do processo; desenvolve-se a partir de um “rol” do que Didier considera como “as mais importantes características do atual pensamento jurídico”:
A primeira característica: o reconhecimento da força normativa da Constituição, assumindo esta a posição de “principal veículo normativo do sistema jurídico” (caracterizando, portanto, a hegemonia da Constituição), com eficácia imediata e independente da “intermediação legislativa” (ressalvados, naturalmente, os casos em que a própria Constituição contém a eficácia de seus dispositivos, diferindo-a até posterior regulamentação); assim, na segunda metade do século passado, a Constituição deixa de ser um “repositório de promessas” (expressão de Daniel Sarmento, citado por Didier Jr) e passa a vincular o Estado e a Sociedade na consecução de seu projeto; do Estado Legislativo vamos para o Estado Constitucional, com a primazia da Constituição sobre a Legislação.
A segunda característica: desenvolvimento da teoria dos princípios, que passam a ter força normativa, consistindo espécie do gênero norma, deixando de ser apenas técnica de integração do direito.
A terceira característica: transformação da hermenêutica jurídica, com a distinção teórica entre texto e norma, sendo a norma o produto da atividade interpretativa da jurisdição sobre o texto normativo; assim, o texto normativo passa a ser o objeto da interpretação, e a norma o seu resultado (seja a norma jurídica do caso concreto, seja a norma geral a ser aplicada em casos semelhantes); a atividade jurisdicional, portanto, passa a ser encarada como tendo função criativa e normativa, em colaboração com a atividade legislativa na criação do direito; os princípios71 da proporcionalidade e da razoabilidade passam a ter grande importância na aplicação das normas; método da concretização dos textos normativos passa a conviver com o método da subsunção; expande-se a utilização legislativa de cláusulas gerais, o que reforça a exigência de atividade jurisdicional criativa.
A quarta característica: expansão e consagração dos direitos fundamentais, cuja corresponde teoria jurídica se desenvolve aceleradamente e irradia-se fortemente sobre todo o Direito positivo, com “um conteúdo ético mínimo que respeite a dignidade da pessoa humana”.
A concepção contemporânea de jurisdição72
Marinoni, Arenhart, Mitidiero traçam, à guisa de conclusão do panorama geral da “Jurisdição no Estado Constitucional”, uma reflexão sobre a “concepção contemporânea de jurisdição”, que pode ser inserida no contexto esboçado acima a respeito do “pensamento jurídico contemporâneo”; em conjunto com as linhas históricas traçadas acima (sobre emergência do princípio da obrigatoriedade da motivação, e sobre o constitucionalismo moderno e contemporâneo), poderá conduzir (segundo nossa melhor expectativa) à compreensão mais ampla do entendimento contemporâneo sobre o princípio da obrigatoriedade da fundamentação das decisões judiciais, que será abordada a seguir.
Entendem os eminentes processualistas que a transformação da concepção de direito coloca a pá de cal nas concepções a respeito da jurisdição que reconheciam ao juiz apenas a função de declarar, diante do caso concreto, direito já previamente integralmente contido no texto normativo, ou de” criar a norma individual”, em um contexto de supremacia da lei, de aceitação de um “positivismo acrítico”, e em que se entendia que a norma era o objeto da interpretação e não o seu resultado, como se entende contemporaneamente.
Afirmam também que a supremacia da Constituição sobre a lei no Estado Constitucional estabelece que a interpretação e aplicação da lei seja efetivada a partir dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais, conferindo ao juiz o dever de controlar a constitucionalidade da lei e de suprir eventual omissão legal que impeça a efetividade de direito fundamental constitucional; decorre também o dever do juiz de tutelar direiros fundamentais eventualmente conflitantes no caso concreto e de afastar a aplicação de regras nas exceções que escapam à generalidade implícita na formulação da lei; estas funções da jurisdição no Estado Constitucional, em que pese determinarem amplitude maior à subjetividade do julgador - e exigirem raciocínio decisório muito mais complexo e criativo -, não resultam, no entanto, na criação da norma jurídica, sendo antes “atividade de reconstrução interpretativa mediante um processo estruturalmente guiado
pela argumentação jurídica”73; o exercício da jurisdição, para ser legítimo, deve estar vinculado ao texto normativo constitucional e legal.
Posta a ressalva de que a atividade jurisdicional não cria “ex novo” normas jurídicas, a função jurisdicional no Estado Constitucional pode ser assim delineada:
“Porém, quando se compreende a distinção entre texto e norma, vendo-se essa última como o resultado da interpretação do texto legal (portanto, não mais como seu objeto), torna-se fácil atribuir ao juiz a missão de reconstruir a norma jurídica que espelha a compreensão da lei na medida das normas constitucionais – ou mesmo, na hipótese específica de tutela de direitos fundamentais colidentes, a razão jurídica determinante, diante do caso concreto, da prioridade de um direito fundamental sobre o outro.”74
Passando ao largo da explanação que segue, a respeito de que a jurisdição deve dar tutela concreta ao direito material, e das discussões correlatas sobre os meios de execução e sobre “o dever [do juiz] de extrair das normas processuais a potencialidade necessária para dar efetividade a qualquer direito material (e não apenas aos direitos fundamentais materiais)”75, voltamos a atenção para o seguinte ponto da dissertação dos eminentes processualistas: a exacerbação do dever de motivar as decisões diante da maior complexidade das tarefas interpretativas que decorre da supremacia dos enunciados normativos constitucionais sobre os legais, da normatividade dos princípios, e também tendo em vista a consequente ampliação da subjetividade do magistrado; assim (grifamos em negrito),
“Porém, diante da maior subjetividade outorgada ao magistrado para a tutela dos direitos – natural a uma lógica que faz as normas constitucionais preponderarem sobre a legislação e a uma compreensão metodológica do Direito que parte da separação entre texto e norma – e da impossibilidade de se encontrar uma teoria capaz de sustentar a existência de uma decisão correta para cada caso concreto, é preciso atribuir ao juiz o dever de demonstrar que a sua decisão é a melhor possível mediante uma argumentação fundada em critérios racionais. Em primeiro lugar, isso deve ser feito a partir da justificação da atividade interpretativa e da coerência e universabilidade de seu resultado. Em segundo lugar, isso deve ser promovido mediante o respeito à autoridade dos precedentes das Cortes Supremas, rigorosamente meio que assegura a universabilidade das decisões, preservando-se daí a liberdade e o respeito à igualdade mediante a outorga de segurança jurídica, sem o que não há Estado de Direito”.76
IV – O princípio da obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais a partir de sua afirmação constitucional como “princípio geral do ordenamento e da função
jurisdicional”77 no Estado Constitucional.
A distinção entre finalidades endoprocessuais e extraprocessuais da motivação das decisões.
Ao esboçar os aspectos que constituem a visão doutrinária contemporânea78 a repeito do princípio da obrigatoriedade da motivação das decisões, é oportuno repisar a distinção formulada por Michele Taruffo entre as funções e finalidades endoprocessuais e extraprocessuais do princípio, distinção cuja menção é recorrente em sua abordagem do tema, e que aqui topicamente abordada nas linhas sobre evolução histórica da emergência do instituto.
A função e finalidade extraprocessual do dever de motivar as decisões jurisdicionais consistem em permitir (uma vez adequadamente atendido pelo órgão jurisdicional) o controle, pela sociedade, do modo como exercido o poder jurisdicional, tendo em vista que este poder, como os demais, emana do povo e em seu nome é exercido. Cumpre o princípio, portanto, papel destacadíssimo nos fundamentos de um Estado Democrático de Direito79, e exatamente por esta razão adquire dignidade constitucional a partir de sua inserção nas constituições formuladas no segundo pós-guerra na Europa continental, ou naquelas que emergem dos processos de democratização após longos períodos autoritários, como é nos casos da Espanha, Portugal, Grécia e em diversos países latino-americanos após o fim das ditaduras que ensombreceram o continente na segunda metade do século passado. Nesta concepção, de função e finalidade extraprocessual do princípio, sobressai a exigência de que a motivação seja pública, e o correspondente dever de motivar irrestrito, desvinculado do interesse das partes ou de eventual juízo recursal. Tendo adquirido o caráter de “princípio geral do ordenamento e da função jurisdicional” no contexto do neoconstitucionalismo e da constitucionalização do processo típicos da segunda metade do século XX, o princípio da obrigatoriedade do dever de motivar, em sua concepção de função e finalidade extraprocessuais, tem sua emergência histórica, no entanto, vinculada à “ideologia política do iluminismo democrático” do século XVIII e à Revolução Francesa.80
Por outro lado, a ênfase na função e finalidade endoprocessual da motivação da decisão está posta em entender o instituto como voltado a facilitar o entendimento do significado das decisões exclusivamente para permitir (1) às partes melhor convencer-se de sua correção e adequação - ou, ao revés, para fazer concluir pela conveniência de delas recorrer -, (2) ao juízo recursal melhor compreender o fundamento da decisão eventualmente impugnada. Taruffo considera que este caráter exclusivamente endoprocessual sempre foi insuficiente para explicar a crescente inserção do dever de motivar nas legislações processuais ordinárias – eis que convivia, em diversos casos, com a afirmação de sua obrigatoriedade tanto em sentenças irrecorríveis quanto naquelas decisões finais dos tribunais superiores -, sendo ainda menos suficiente para dar conta de sua afirmação como princípio constitucional.81 Esta concepção, no entanto, e na medida em que afastada de uma “concepção democrática da administração da justiça”, torna-se hegemônica na afirmação do dever de motivar nos ordenamentos produzidos pelas reformas do século XVIII nas legislações prussiana, austríaca e de diversos estados italianos, eis que vinculada ao “racionalismo funcionalístico e burocrático do despotismo iluminado.”82
Tributária, portanto, quanto ao seu desenvolvimento e disseminação, de um contexto autoritário do exercício da função jurisdicional, a concepção estritamente endoprocessual do dever de motivar não era, em termos lógicos, incompatível com normativas que chegavam ao limite de vedar ao juízo expressar os fundamentos da decisão, salvo se requerida a formulação da motivação pelas partes, com finalidade recursal, tendo sua divulgação restrita aos sujeitos dos processo.
Michele Taruffo, escrevendo em 2014, na “Introdução à edição brasileira” do seu clássico “A motivação da sentença civil” (cuja primeira edição italiana foi em 1975) refere que ainda hoje subsiste posição doutrinária que nega que o dever de motivar as decisões cumpra uma fundamental função política (logo, extraprocessual); este segmento do pensamento jurídico, coerentemente com essa estreita posição dogmática, opõe-se também “ao pleno reconhecimento das garantias constitucionais do processo em toda a sua efetiva extensão e continuam a constituir a base de propostas metodológicas segundo as quais a doutrina processual deveria ocupar-se somente da exegese das normas codificadas.”83 A inserção do princípio da obrigatoriedade da motivação das decisões jurisdicionais na Constituição brasileira de 1988, cominando nulidade à decisão não motivada, assim como sua densificação no Código Processual Civil de 2015, evidenciam o afastamento da doutrina processualística brasileira desta retrógada posição, e seu alinhamento com uma concepção de jurisdição voltada à tutela dos direitos fundamentais – inclusive os processuais – afirmados em nossa ordem constitucional.
O princípio constitucional da obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais como manifestação, no plano jurisdicional, do princípio geral da controlabilidade84 do exercício do poder estatal, inerente ao Estado de Direito.
A assunção do dever de motivação da decisão judicial à dignidade de princípio fundamental constitucional é explicada pela relação evidente e manifesta entre a moderna concepção de Estado de Direito e a exigência de controle democrático sobre o exercício dos poderes do Estado; estes, constituídos pela soberania popular em um momento constituinte, são exercidos em nome do povo, devendo seu exercício submeter-se ao seu (povo) controle. Esta expressão – “controle” – deve ser entendida não apenas em sua dimensão institucional, decorrente do clássico sistema montesquiano de separação de poderes e de checks and balances, e da própria ideia de representação, mas fundamentalmente na perspectiva de um controle democrático e difuso do exercício do poder estatal.
Esta “controlabilidade” difusa e democrática, no plano do exercício do poder jurisdicional pode ser traduzida na exigência constitucional da motivação da decisão judicial, e sua “ligação inerente” com a concepção democrática de administração da justiça e com o moderno estado de direito é recorrentemente afirmada na melhor doutrina85; o fato de ser expressa, em geral, em termos apodíticos, justifica termos introduzido neste singelo estudo breves notas sobre o constitucionalismo e o pensamento jurídico contemporâneo, e sobre a jurisdição no estado constitucional, com a expectativa de que a “inerente” ligação obrigatoriedade da motivação da decisão judicial/estado de direito revele-se ainda mais nítida; cumpre com o mesmo propósito as notas históricas sobre o desenvolvimento do instituto, a partir da clássica exposição de Michele Tarufo.
Assim, a afirmação constitucional do princípio da obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais implica em por em relevo seu caráter extraprocessual, onde o dever de motivar encontra sua ratio fundamental na finalidade de permitir à sociedade o controle do modo como exercida a atividade jurisdicional, e onde imposta coerente (tendo em vista tal finalidade) exigência de irrestrita publicidade dos atos processuais e aplicação do instituto, conforme já assinalado anteriormente.
Já foi mencionado aqui o apontamento feito recentemente por Michele Taruffo da persistência de posição doutrinária que não reconhece função política ao dever de motivar, e talvez seja aqui oportuno referir o argumento (conforme identificado pelo mestre italiano) formulado por este segmento do pensamento jurídico e que refuta a função extraprocessual do dever de motivar, e o seu contraponto.
O fundamento para a ausência de reconhecimento da função extraprocessual do dever de motivar é muito simples: não se vislumbra (nesta posição doutrinária) qualquer perspectiva de um controle democrático e difuso do exercício do poder jurisdicional por intermédio da motivação das decisões porque a sociedade (e a “opinião pública) não teria como ler “milhões de sentenças”. Taruffo refuta este argumento inicialmente levando em consideração que não é a “efetividade empírica” do controle sobre todas as decisões, e sim a possibilidade do controle; em outras palavras, a garantia (simétrica ao dever) da motivação das decisões cumpre sua função de controle na medida em que “impõe ao juiz que se comporte – ao redigir a sentença – como se essa fosse, verdadeiramente, submetida a um controle externo.”86
Por outro lado, Taruffo identifica em dois segmentos a perspectiva de exercício, por uma espécie de “delegação de fato”, pela sociedade, desta função de “controlabilidade” difusa e democrática do exercício da jurisdição e que se dá mediante a motivação das decisões: os “juristas”, em sentido amplo (não apenas aqueles envolvidos na lide), o que inclui os “acadêmicos”, e os integrantes da imprensa. O primeiro segmento social apontado – “juristas” - tem, por formação, os instrumentos culturais necessários para a leitura, compreensão e crítica das decisões, não apenas em seus aspectos técnico-jurídicos quanto nos atinentes à “valoração das razões com as quais o juiz justificou sua própria decisão”87, remanescendo, de qualquer forma, “o problema de saber se o jurista estará sempre apto a desenvolver essa função, e se a sociedade no seu todo auferirá verdadeira vantagem com essa, delegação de fato‟ ao jurista de uma importante função política de controle sobre o exercício do poder.”88 Menor expectativa parece ter Taruffo em relação ao papel da imprensa nesta função de “controle social”, seja como decorrênciade uma pauta voltada aos aspectos “espetaculares” dos processos (em regra, processos penais) - e não aos aspectos ligados às razões formuladas pelos juízes para fundamentar suas decisões -, seja como decorrência do predominante despreparo dos jornalistas que cobrem as atividades jurisdicionais. De qualquer forma, conclui Taruffo, este ceticismo não justifica negar-se a função extraprocessual da motivação, impondo-se, sim, a elevação qualitativa e quantitativa da concretização desta garantia fundamental.
Implicações da assunção do dever de motivar as decisões judiciais à dignidade de princípio e regra constitucional.
Michele Taruffo89 põe em evidência duas importantes implicações da inserção do princípio da obrigatoriedade da motivação das decisões judicias no plano constitucional, das quais decorreu, segundo entendemos, a importante densificação do instituto no novo Código de Processo Civil brasileiro.
A primeira diz respeito à vinculação do legislador infraconstitucional ao princípio, de maneira que este, ao legislar sobre a disciplina específica da forma e conteúdo das sentenças (e demais decisões em sentido amplo), tenha necessariamente que determinar o dever geral de motivar; de outra banda, acarreta a inconstitucionalidade de textos normativos que mitigam este dever em benefício de eventual celeridade processual.
A segunda implicação corresponde a um desdobramento do princípio da obrigatoriedade em um princípio da completude da motivação, eis que, para atender à função de possibilitar o exercício do controle externo sobre a atividade jurisdicional, é necessário que a motivação inclua argumentação sobre todos os aspectos determinantes da decisão.
Este princípio da completude da motivação, ainda segundo Taruffo, configura standards a serem aplicados pelo juiz para a adequada motivação da decisão.
O primeiro standard posto em destaque e decorrente do princípio da completude consiste na necessidade de estarem presentes tanto a justificação interna quanto a justificação externa da decisão.
A justificação interna consiste na demonstração da conexão e coerência entre a premissa de direito e a premissa de fato adotadas e explicitadas pelo julgador para a solução do caso, e se desta conexão decorre logicamente a decisão.
Na precisa definição de Marinoni, Arenhart, Mitidiero:
“A atividade interpretativa só é racional se justificada interna e externamente. Uma decisão apresenta justificação interna (interne Rechtfertigung) sempre que o dispositivo decorre logicamente da fundamentação e que essa contempla todos os fundamentos arguidos pelas partes. Na justificação interna, portanto, interessa a correção lógica e a completude da motivação da decisão. Daí que a justificação interna é uma justificação formal que responde à necessidade de não contradição no discurso jurídico. É o campo em que a lógica atua no processo interpretativo, no qual o julgador raciocina de forma dedutiva para solução das questões.”90
A justificação externa, por outro lado, consiste na explicitação das razões que determinaram a escolha, pelo julgador, das premissas de direito e de fato adotadas na decisão: os argumentos com que justifica a escolha de uma norma (e uma dada interpretação desta norma) para fazê-la incidir no caso, e os argumentos com que justifica “uma adequada reconstrução dos fatos relevantes da controvérsia.”91
O eminente processualista italiano ressalta o fato indiscutível de que os juízos de valor do julgador entram em cena, tanto ao interpretar as normas quanto ao reconstruir os fatos da causa, e que essas “valorações”, em alguma medida, condicionam a escolha das premissas de direito e de fato levadas em conta e a própria decisão; decorre, portanto, a necessidade de que esses “juízos de valor” – que são necessariamente passíveis de justificação por argumentação racional - sejam explicitados e fundamentados na decisão, tendo o julgador o dever de explicitar as razões pelas quais adotou os critérios decorrentes de vais valorações na solução da questão.
Outro standard enunciado por Taruffo92 diz respeito à justificação do juíz a respeito de sua decisão sobre as provas, sobre a veracidade ou falsidade dos fatos da causa, não podendo o julgador restringir-se “à simples e apodítica enunciação daquilo que o juiz teve por verdadeiro ou falso”, devendo “indicar quais provas entendeu confiáveis como instrumentos de conhecimento dos fatos em questão” e “de que modo, e por quais razões, valorou a credibilidade das provas de que dispunha”.
Mas não se encerra aí o dever imposto ao julgador: se existiam outras provas, contrárias à reconstrução dos fatos levada a cabo pelo juiz, ele deve explicitar na fundamentação as razões pelas quais não foram levadas em consideração ao formular sua decisão; tal dever é imprescindível para garantir credibilidade das provas que sustentam a decisão, ao mesmo tempo em que evitam ao julgador cair no que Taruffo referiu como confirmation bias, ou seja, no erro daqueles que, tendo que justificar determinada escolha ou decisão, seleciona todos os fatores que a confirmam e desconsidera aqueles que a infirmam.
Ainda sob o tema, é oportuno uma vez mais recorrermos à lição de Marinoni, Arenhart, Mitidiero:
“De outro, uma decisão tem justificação externa (externe Rechtfertigung) sempre que as premissas adotadas na decisão são adequadas. A justificação externa, portanto, concerne à adequação das escolhas das premissas empregadas na justificação interna. Nessa linha, constitui uma justificação material que responde à necessidade de adoção de razões suficientes para tomada de decisão, envolvendo o exame tanto de normas como de fatos, na medida em que entre ambos existe uma absoluta implicação. É o campo em que a argumentação atua no processo interpretativo, no qual o julgador individualiza, valora e decide de forma não dedutiva. Como campo próprio da argumentação jurídica, entram em consideração na justificação externa, por exemplo, as normas jurídicas, as normas sobre interpretação, as normas preferenciais argumentativas e as construções doutrinárias empregadas na decisão. Em outras palavras, encontra-se no âmbito da justificação externa o material que se encontra à disposição do intérprete para consecução do processo interpretativo. No que concerne às normas jurídicas, impende observar que quanto maior a abertura semântica, maior a justificativa que deve ser empreendida para sua aplicação Isso vale para todas as espécies normativas, mas ganha especial relevo no direito brasileiro para a aplicação dos princípios jurídicos e para concretização de termos vagos empregados pelo legislador.”93
Os eminentes processualistas brasileiros concluem94 que o que permite aferir a racionalidade da interpretação é sua universalidade e coerência; por universalidade se entende a capacidade de a decisão interpretativa ser aplicável a casos idênticos (ou semelhantes); por coerência, se entende a capacidade de a interpretação consistir em um conjunto internamente consistente de princípios e regras. Esta racionalidade da decisão, evidenciada por sua universalidade e coerência, deve necessariamente ser demonstrada na fundamentação, sob pena de ilegitimidade do exercício da jurisdição.
IV – O princípio da obrigatoriedade da motivação da decisão judicial na Constituição Federal e sua densificação no novo Código de Processo Civil.
A Constituição Federal dispõe, em seu art. 93, IX, “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”.
O novo Código Civil Brasileiro densifica o princípio nos artigos 7o, 9o, 10, 11 e 489, elevando o grau de concretude e determinação do que se entende por decisão “fundamentada”.
Art. 7 É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Art. 9 Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Art. 10 O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
Para MARINONI, ARENHART, MITIDIERO95, “O dever de motivação das decisões judiciais (...) constitui verdadeiro banco de provas do direito ao contraditório das partes”, sustentando os eminentes processualistas que a doutrina entende como especialmente imbricados os conceitos de contraditório, motivação e direito ao processo justo, na medida em que “... a motivação das decisões judiciais constitui o último momento de manifestação do direito ao contraditório e fornece seguro parâmetro para afericação da submissão do juízo ao contraditório e ao dever de debate que dele dimana”, concluindo: “Sem contraditório e sem motivação adequados não há processo justo.” Os artigos referidos acima, do Código de Processo Civil vigente, determinam a dimensão substancial96 do princípio do contraditório, ou seja, o efetivo poder de influência das partes sobre a decisão judicial; decorre que “Não há que se falar em decisão motivada se esta não enfrenta expressamente os fundamentos arguidos pelas partes em suas manifestações processuais”97. A densificação, em dimensão substancial, da garantia e do direito fundamental processual ao contraditório, contida nos artigos 7o, 9o e 10 do novo Código de Processo Civil, estabelece, na mesma medida, densificação correspondente do dever de motivar adequadamente as decisões judiciais.
O artigo 11 do novo Código de Processo Civil insere como norma fundamental infraconstitucional do processo civil o princípio do dever de fundamentação e princípio da publicidade contidos no art. 93, IX da Constituição Federal. A disposição desta norma agrupada e imediatamente subsequente àquelas que dispõem sobre o direito e garantia do contraditório sublinham a íntima relação entre os conceitos de contraditório, publicidade e dever de fundamentação, assim como a ideologia democrática do processo civil brasileiro98:
Art. 11 Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público.
É no inovador artigo 489, §§ 1o, 2o e 3o do novo Código de Processo Civil que está disposta a maior radicalidade e aprofundamento do dever de motivar as decisões judiciais, na medida em que empresta determinação à “fundamentação” ao explicitar o que não se pode considerar como decisão fundamentada, e onde se extrai o princípio da completude da fundamentação das decisões judiciais:
Art. 489 São elementos essenciais da sentença:
I – O relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões pricipais que as partes lhe submeterem.
§ 1 Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicitar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonostrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento;
§ 2 - No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.
§ 3 - A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos em conformidade com o princípio da boa-fé.
Este artigo confere substância e determinação ao elemento “fundamentos”, ultrapassando a mera exigência formal contida no código anterior; por outro lado, determina os parâmetros necessários para a fundamentação não apenas de sentenças (e acórdãos), como também de decisões interlocutórias, capazes que são, por óbvio, de modificarem as posições jurídicas das partes no curso do processo. O artigo 489, como um todo, visa a garantir a completude e a racionalidade das decisões (sempre interpretativas) judiciais, condições necessárias ao controle intersubjetivo tanto endoprocessual (partes e interessados) quanto extraprocessual (controle democrático difuso), viabilizadoras também de um sistema de precedentes – este, por sua vez, a serviço da segurança jurídica, da orientação das condutas e da “...redução da equivocidade inerente ao discurso das fontes legislativas...”99. O atendimento ao princípio da completude (e seus standards, na expressão de Taruffo) diz respeito ao “conteúdo global da motivação”, onde devem ser analisadas todas as questões de fato e de direito pertinentes à lide (“decisões sobre desacordos fáticos, probatórios e normativos”100), e em que imprescindíveis, na fundamentação, as justificativas interna e externa da decisão. A primeira, normalmente de estrutura silogística-dedutiva, diz respeito à coerência entre a premissa de direito, a premissa de fato (adotadas pelo julgador) e a decisão, que deve decorrer logicamente das premissas adotadas; a segunda diz respeito “...às razões pelas quais a premissa de direito e a premissa de fato foram formuladas de determinado modo. Em outros termos, trata-se, de um lado, dos argumentos com base nos quais o juiz justifica a escolha de uma norma e de uma determinada interpretação dessa, como regra jurídica da decisão do caso, e de outro lado, dos argumentos com base nos quais o juiz apresenta como justificada uma adequada reconstruão dos fatos relevantes da controvérsia.”101. Em outras palavras, em síntese definitiva: “Os elementos essenciais da sentença [a fundamentação entre eles] servem justamente para evidenciar a racionalidade das opções interpretativas e viabilizar o respectivo controle intersubjetivo.”102
Os incisos do § 1o é que, como já referido, emprestam determinação ao, de outra forma indeterminado termo “fundamentos” como elemento da sentença/acórdão (e decisões interlocutórias), ao expressar o que não se entende como decisão fundamentada; tal determinação, se talvez dependesse apenas das construções doutrinárias a respeito da estrutura das decisões judiciais, seria desnecessária, não fora os inúmeros exemplos que avultam na praxis forense de decisões não verdadeiramente fundamentadas e ainda assim ratificadas pelas tribunais e cortes superiores.
Assim, no inciso I está disposto que não se considera fundamentada decisão que se limita a indicar, reproduzir ou parafrasear ato normativo, sem explicitar sua conexão com a causa ou questão decidida, “sem mostrar qual é a relevância do dispositivo citado para a solução do caso concreto.”103
No inciso II está disposto que o emprego de “conceitos jurídicos indeterminados” sem que seja explicitado na decisão o significado concreto com que é apreendido o conceito ou termo indeterminado na decisão, sem que sejam delineados com nitidez seus contornos e explicitados os argumentos que justificam sua utilização e pertinência, não se considera fundamentada a decisão.
Tal disposição é especialmente importante numa quadra em que frequente a utilização nos textos normativos destes conceitos jurídicos indeterminados e de seus correlatos, como “cláusulas gerais”, “regras abertas”, “conceitos-válvula”.104
O inciso III dispõe que é não fundamentada decisão que “invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão”; ora, tal dispositivo afasta a perspectiva de uma incongruência lógica que, diante de um caso concreto em que há desacordo entre as partes, a fundamentação da decisão tomada em um sentido se prestaria para justificar decisão distinta, quiçá em sentido oposto.
O inciso IV rende homenagem ao direito processual fundamental ao contraditório, ao direito da parte influir efetivamente na formulação da decisão judicial, aos cânones do processo colaborativo e ao dever de debate com as partes imposto ao juiz. Assim, o julgador deve incluir na fundamentação a análise de todos os argumentos invocados pela parte que poderiam determinar decisão em sentido diverso daquela efetuada pelo julgador, sob pena de nulidade da decisão.
O inciso V guarda similitude com o inciso I, na medida em que a mera invocação de precedente ou enunciado de súmula (assim como, no inciso I, a mera indicaçãi, reprodução ou paráfrase de ato normativo), sem demonstrar a conexão e pertinência entre o caso concreto e o precedente ou súmula invocado, especialmente com seus fundamentos e razões (ratio decidendi).105
De outra banda, o inciso VI veda ao julgador deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso concreto sob julgmento ou a superação do entendimento sumulado, da jurisprudência ou precedente.
Aqui, cabe-nos um posicionamento: parece-nos que o disposto neste inciso aplica- se exclusivamente à súmula, jurisprudência ou precedente vinculantes ao juízo, eis que, não sendo o caso, não é imposto ao julgador ter o mesmo entendimento no caso sob seu julgamento. Assim, não há que falar em demonostrar distinção ou superação, subsistindo os demais standards necessários à efetiva fundamentação; pode, então, que a fundamentação tenha que conter a análise dos textos invocados pela parte apenas para demonstrar seu entendimento diverso, mesmo que o caso concreto seja em tudo pertinente à súmula, à jurisprudência ou ao precedente invocados.
Há outra ressalva, posta em destaque por Marinoni, Arenhart, Mitidiero106: o ordenamento jurídico outorga unicamente às cortes supremas a prerrogativa de superar seus precedentes, ou, em algums casos, unicamente às cortes que formaram determinada jurisprudência vinculantes a prerrogativa de superarem-nas, ressalvada a competência das Cortes Supremas; assim, por evidente, os juízos e tribunais submetidos a jurisprudência e precedentes vinculantes só podem deixar de aplicá-los, caso invocados pelas partes, alegando e justificando a distinção, jamais a superação. Resta, no entanto, intacta a disposição de que os julgadores que detém a prerrogativa de superar seus precedentes e jurisprudência só podem fazê-lo no caso concreto demonstrando na fundamentação a superação.
Já o § 2o do art. 489 dispõe sobre a importantíssima questão, no quadro da jurisdição no Estado Constitucional, da fundamentação da decisão quando há colisão entre normas. Em síntese, este parágrafo segundo remete ao disposto no inciso I do parágrafo primeiro, exigindo a explicitação das justificativas para a aplicação de determinada norma ou a sua ponderação (no caso de conflito entre princípios), ou o afastamento de determinada regra, delineando a exceção fática do caso posto na lide que determina sua incompatibilidade com o caso geral sobre o qual se pretendia que incidisse a regra afastada; também há que justificar a escolha de tal postulado normativo para ser aplicado na solução da colisão. Trata-se aqui de situação em que a justificação argumentativa deve alcançar seu tom mais elevado, eis que “... é preciso identificar as normas que devem ser aplicadas o respectivo postulado que estrutura a correlata aplicação. Fora daí há arbitrariedade na solução dos conflitos normativos por ausência de adequada fundamentação (art. 489, § 2o, CPC)”.107
V – Conclusão.
O princípio da obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais é indubitavelmente basilar para a administração democrática da justiça, e efetivamente inerente ao Estado Constitucional, na medida em que sua aplicação possibilita o controle social sobre o exercício de um dos mais importantes poderes do Estado – o poder jurisdicional. Igualmente relevante, para caracterizar sua íntima conexão com o Estado Constitucional, é sua função de possibilitar a aplicação de outro princípio fundamental, o princípio do contraditório, e viabilizar a garantia de seu exercício.
Esta função do princípio da obrigatoriedade do dever de motivação das decisões judiciais ligada à administração democrática da justiça – no que permite o controle social do exercício de poder de estado por quem não está investido de representatividade por intermédio do voto popular – é especialmente relevante num contexto em que ampliada sobremaneira a possibilidade de a subjetividade do julgador influir nas decisões judiciais, e em que a atividade da jurisdição se caracteriza pela reconstrução interpretativa da norma, reconstruindo-a partir do texto normativo constitucional e legal, submetido este àquele; assim, a atividade jurisdicional tanto decisória quanto justificativa tornou-se muito mais complexa e mais dependente, para sua legitimidade, do efetivo cumprimento do dever de motivar a decisão de forma racional e completa.
Na Constituição Federal de 1988 está insculpido o princípio no art. 93, IX; a praxe, no entanto, evidenciou, ao longo dos anos, que muitas decisões são dadas como fundamentadas tendo em vista apenas seu aspecto formal, desprovidas de efetiva substância.
Tão importantes e fundamentais funções atribuídas ao princípio da obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais, no entanto, não poderiam permanecer desatendidas por esta falta de substancialidade no efetivo cumprimento do dever de motivar.
O novo Código de Processo Civil Brasileiro densifica o princípio em plano infraconstitucional, provendo determinação e maior concretude à expressão e conceito “decisão fundamentada”, estabelecendo cânones – ou standards, como prefere Taruffo – que devem ser obrigatoriamente atendidos para que uma decisão judicial seja considerada como efetivamente motivada, sob pena de nulidade.
Resta ainda, no entanto, a laboriosa tarefa de consolidar o entendimento e exigir da jurisdição o cumprimento do dever de motivar em conformidade com o disposto pelo novo Código de Processo Civil, tarefa dignida dos melhores esforços da doutrina.
Notas
1 Cláudio Roberto Rosa Burck. Advogado, Especialista em Direito Processual Civil /(UFRGS)
2 “Em outras palavras, a função da jurisdição confunde-se com a função do Estado democrático de direito, corolário do (novo) paradigma que se extrai da ordem constitucional vigente e que deve ser construído, em oposição ao milenar dogma de que a jurisdição é (tão-somente) a declaração da vontade da lei, e como tal, mera reprodução dos conteúdos normativos, nenhuma responsabilidade seus agentes assumindo com o resultado produzido, a exigir uma reformulação de conceitos, categorais, institutos, estruturas que compõem e produzem o processo enquanto espaço do exercício da atividade jurisdicional. A jurisdição adquire nesta nova dimensão comprometimento pelos fins sociais a serem alcançados pelo Estado democrático (...)” (MACEDO, Elaine Harzheim. “De Salomão à Escolha de Sofia: Proposta de Legitimação da Decisão Judicial à Luz da Constituição de 1988.” In: Constituição, Jurisdição e Processo: Estudos em Homenagem aos 55 Anos da Revista Jurídica. Coordenadores Carlos Alberto Molinaro, Mariângela Guerreiro Milhoranza, Sérgio Gilberto Porto. – Porto Alegre : Editora NOTADEZ, p. 259-295, 2007, p. 259-260).
3 ENGELS, Friedrich. KAUTSKY, Karl. O socialiso jurídico. 2. ed., rev. São Paulo : Boitempo, 2012.
4 E se posta em dúvida esta “oportunidade”, de plano rebatemos: “Uma adequada ligação da teoria do direito, do Estado Constitucional e da teoria dos direitos fundamentais com a teoria do processo civil – especialmente para sua compreensão como um meio para tutela dos direitos – depende de uma doutrina consciente da relatividade histórica do direito e do processo e capaz de traduzir a cultura do seu tempo na sua interpretação.” MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, Volume 1, Teoria do Processo Civil. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 11.
5 Amplamente baseado em TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. Tradução Daniel Mitidiero, Rafael Abreu, Vítor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2015. p.276-294).
6 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 276.
7 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 276.
8 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 277-278.
9 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 276.10
10 “Uma característica constante da história dos ordenamentos processuais de common law é representada pela ausência do dever de motivação. Essa é acompanhada, porém, de uma praxe não menos constante, ainda que não absolutamente generalizada, no sentido de ajuntar à decisão a exposição das respectivas razões. Aliás, é exatamente a existência dessa praxe, consolidada progressivamente em um longo arco de tempo, que provavelmente explica como nem o legislador nem a jurisprudência tenham sentido a necessidade de formular uma regra expressa a respeito.” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 295).
11 “A afirmação de que se parte exige uma especificação também sob outro aspecto, atinente ao momento em que o princípio da obrigatoriedade da motivação é acolhido positivamente. Na segunda metade do século XVIII o fenômeno generaliza-se, estendendo-se também para ordenamentos que nunca o conheceram anteriormente. Todavia, não faltam exemplos nos quais o dever de motivação aparece prescrito, ainda que com limites de diversas ordens, já a partir do século XIII e – que é o que mais releva – totalmente fora das condições jurídico-políticas que se verificaram na Europa da segunda metade de Setecentos. Trata-se de um fenômeno característico da Itália, em que o dever de motivação aparece em alguns casos prescrito na legislação estatutária e conhece posteriormente manifestações relevantes na legislação florentina e, ainda que em um âmbito mais restrito, também na piemontesa.” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 278).
12 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 280.
13 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 281.
14 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 281.
15 “Portanto, essa última [a motivação] veio a ser concebida essencialmente como o momento fundamental de garantia da legalidade da decisão, em uma situação histórica em que vinha em primeira plana a nítida conotação política do próprio princípio da legalidade, bem como das suas garantias instrumentais. Isso permite explicar a peculiaridade mais relevante da introdução do dever de motivação por parte do legislador revolucionário, isto é, o fato de que esse foi imediatamente concebido como princípio de caráter geral incapaz de tolerar limitações, coerentemente inserido no contexto da concepção legal e democrática da justiça.” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 281-282).
16 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 282 .
17 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 282.
18 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 282.
19 “Na Allgemeine Gerichtsordnung é efetivamente resolvido de maneira positiva o problema da publicidade da motivação. Todavia, o que não muda sensivelmente em relação ao Codex Fridericianus é o modo de conceber a função da motivação: isto é, continua faltando a percepção do papel de meio de controle externo sobre o trabalho do juiz que essa pode desempenhar, enquanto se consolida a concepção da motivação como fator direcionado a permitir uma valoração da decisão seja pelas partes, seja pelo juízo recursal. Em suma, a ratio das normas que impõem o dever de motivação é dado não pela ideologia do controle democrático da administração da justiça, mas sim pela vontade de realizar um funcionamento ordenado e racional da justiça no momento da conexão entre a decisão e o juízo recursal, eliminando possíveis inconvenientes e permitindo às partes e ao juiz superior uma tomada de posição razoável diante da própria decisão.” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 283).
20 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 283.
21 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 283.
22 “Tem-se aí a versão mais rígida e restritiva da concepção endoprocessual da motivação, na medida em que é admitida exclusivamente nos limites e nos modos estritamente indispensáveis para evitar que o recurso seja mal interposto ou a sua decisão seja inadequada. É de se observar que não só não se reconhece a função extraprocessual da motivação, excluindo-se, aliás, expressamente a possibilidade de declinação dos motivos na sentença, mas falta igualmente a percepção da função justificativa que a motivação desempenha já diante das partes, o que poderia ser uma ratio suficiente do dever de motivação.” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 283-284).
23 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 285.
24 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 284.
25 “...as reformas processuais setecentistas não eliminaram, ainda que tenham incidido com força sobre o panorama global, a heterogeneidade das soluções normativas que o compõem. De um lado, verificam-se intervenções legislativas que, sobre o tema, não introduzem inovações relevantes em relação ao regime anterior: é o caso do Piemonte, em que uma lei de 1723 se limita a confirmar o limitado dever de motivação introduzido em 1615 e um édito régio de 1770 permite aos juízes do Supremo Consiglio e da Reale Udienza não motivar as respectivas sentenças toda vez que isso comportasse retardos, nada obstante tenha permanecido firme a faculdade das partes de requerer e obter uma sucessiva redação dos motivos. Em outros casos, introduz-se o dever de motivação aonde esse não existia anteriormente, mas com contornos fortemente limitativos: é o caso do ducado de Modena, que em 1771 adota uma regulamentação afim àquela piemontesa.” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 284)
26 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 284.
27 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 284.
28 “A dimensão objetiva da reforma foi, no entanto, imediatamente percebida por Filangieri, o qual colocou claramente em evidência que com o dever de motivação submetia-se o trabalho do juiz ao controle difuso da opinião pública, tornando o próprio juiz, portanto, responsável perante a coletividade: das suas palavras ressai, de fato, a plena consciência da função extraprocessual e democrática da motivação e a própria sensibilidade diante desses aspectos do problema que poucos anos mais tarde deveria levar o legislador revolucionário francês às mesmas linhas traçadas pela pragmática napolitana. Com efeito, especialmente se se leva em consideração as condições miseráveis – para dizer o menos – que caracterizavam a atividade judiciária em Nápoles, essa lei estava destinada a produzir um alvoroço total: a melhor demonstração disso está no fato de que, depois de fortíssimas oposições provenientes da classe judiciária e forense, uma lei de 1791 aboliu o dever geral de motivação, transformando-o em uma mera faculdade do juiz.” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 285).
29 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 285-288.
30 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 287.
31 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 287.
32 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 287.
33 “Nessa linha, a motivação responde não tanto a uma exigência de racionalidade do juízo, quanto à exigência de racionalização do funcionamento da justiça, seja sob o aspecto do seu mais ordenado e fácil desenvolvimento, seja sob o aspecto da sua inserção na estrutura burocrática do estado.” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 287).
34 Nos precisos termos de Taruffo: “Em síntse, assim como não se pode dizer que as reformas processuais do século XVIII produziram soluções unitárias e coerentes no tema da obrigatoriedade da motivação, não é nem mesmo possível afirmar que as solicitações produzidas pela cultura jurídica iluminista operaram a propósito desse tema apenas em um único sentido. Essa cultura constituiu mais do que qualquer coisa um estímulo polivalente que deu lugar a diferentes respostas em virtude das diferentes situações políticas e ideológicas. Em especial, representou o pressuposto da concepção extraprocessual da motivação aonde, como ocorreu na França na época da revolução, pode ser traduzida na ideologia democrática da justiça e do controle do trabalho do juiz. Nas diferentes condições políticas existents nos regimes inspirados nos princípios do despotismoi iluminado, essa mesma cultura orientou, pelo contrário, apenas no sentido de dar lugar à justificação técnico-jurídica e organizativa da função endoprocessual da motivação e acabou por legitimar também as soluções, como a austríaca, que se centravam não no dever, mas na proibição da motivação expressa e pública.” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 288).
35 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 288.
36 Conforme “TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 288-294”.
37 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 288.
38 “Já com Napoleão, portanto, dilui-se a influência da ideologia democrática da justiça que levou à enunciação desse princípio [da obrigatoriedade de motivação] no âmbito da concepção extraprocessual da motivação: desse momento em diante se assiste não À síntese ou ao contraste entre as duas concepções distintas já mencionadas, mas sim ao difundido predomínio da concepção endoprocessual, com todas as consequências já assinaladas no plano político e ideológico. Ademais, se a ideia da motivação como meio de controle democrático do trabalho do juiz era solidária com o clima revolucionário, a ideia da motivação como instrumento meramente técnico-processual é evidentemente mais coerente com o clima político da época napoleônica e mais ainda, com aquele da Restauração e dos sucessivos regimes italianos e europeus.” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 288-289).
39 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 289.
40 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 289.
41 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 291.
42 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 291.
43 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 291.
44 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 291-292.
45 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 292.
46 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 293.
47 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 293.
48 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 293.
49 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 293.
50 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 294.
51 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 294.
52 Para contextualizar a citação, é mister ressaltar tratar-se de texto escrito em meados da década de 1970, e que referia a Constituição italiana. (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 294).
53 HOBSBAWM, 2007, p. 13-17.
54 BOLZAN DE MORAIS, 2008, p, 176..
55 “Este constitucionalismo [constitucionalismo moderno], como o próprio nome indica, pretende opor-se ao chamado constitucionalismo antigo, isto é, o conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da existência de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder. Estes princípios ter-se-iam sedimentado num tempo longo – desde os fins da Idade Média até ao século XVIII.”(CANOTILHO, p.53); e ainda “É comum assinalar, na Idade Média, antecedente da moderna Constituição nas chamadas Leis Fundamentais. A essas leis fundamentais competia indicar o soberano e dispor sobre a sucessão do trono, além de assentar a religião do reino, regular temas relativos a moeda e à alienação de bens da Coroa. Eram leis que o rei não poderia alterar nem revogar, daí, na França, no século VI, distinguirem-se as leis do reino (as leis fundamentais) das leis do rei. Eram também leis fundamentais, estranhas ao domínio da vontade do soberano, as leis de natureza contratual, firmadas entre o rei e os estamentos, envolvendo limites ao exercício do poder (como a Magna Carta de 1215, que os barões ingleses impuseram ao rei João Sem Terra). Tinham, pois, aspecto assemelhado aos da Constituição moderna, já que se diziam com as estruturas do poder e eram reconhecidas como a ostentar uma força superior. Essas leis, porém, ao contrário do que preconizou o constitucionalismo compreendido nos quadros revolucionários do século XVIII, nem sempre eram escritas e não buscavam uma regulação extensiva e minuciosa do poder. Tampouco, e até por isto, disciplinavam com pormenores as relações do governante com os governados.” (BRANCO, 2011, p. 45-46).
56 “Essa concepção racionalista dos direitos do homem foi de excepcional importância para o desenvolvimento da idéia de que por meio da razão seria possível estabelecer os valores fundamentais da pessoa humana, equivalentes a direitos naturais. E a partir daí é que deveriam ser definidos, também racionalmente, os objetivos da organização social, bem como a forma e os limites do governo da sociedade, de modo adequado para a preservação dos direitos naturais. Encontram-se aí vários elementos que iriam propiciar o desenvolvimento do sentido jurídico da Constituição, bem como a criação da Constituição escrita. Evidentemente, as circunstâncias políticas e sociais favoreceram essa evolução, mas a contribuição das novas concepções filosófico-políticas foi decisiva.” (DALLARI, 2010, p. 35).
57 Assim, temos em CANOTILHO (2004), com grifos do autor: “Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. [...] É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo. ”(p. 51); ou: “Numa outra acepção – histórico-descritiva – fala-se em constitucionalismo moderno para designar o movimento político, social e cultura que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona nos planos político, filosóficos e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo a invenção de uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político. [...] O constitucionalismo moderno legitimou o aparecimento da chamada constituição moderna. Por constituição moderna entende-se a ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político.” (p. 52); ou Paulo Gustavo Gonet Branco: “A Constituição assume a missão de organizar racionalmente a sociedade, especialmente na sua feição política. É o estatuto do poder e o instrumento jurídico com que a sociedade se premune contra a tendência imemorial de abuso dos governantes. É também o lugar em que se expressam as reivindicações últimas da vida em coletividade e se retratam os princípios que devem servir de guia normativo para a descoberta e a construção do bem comum.” (MENDES, 2011, p.43); ou Paulo Bonavides: “Em suma, o estabelecimento de poderes supremos, a distribuição da competência, a transmissão e o exercício da autoridade, a formulação dos direitos e das garantais individuais e sociais são o objeto do Direito Constitucional Contemporâneo. (BONAVIDES, 2007, p.36); e ainda, exemplificativamente, Dalmo de Abreu Dallari, com grifos do autor: “Ai estão os três grandes objetivos, que, conjugados, iriam resultar no constitucionalismo: a afirmação da supremacia do indivíduo, a necessidade de limitação do poder dos governantes e a crença quase religiosa nas virtudes da razão,” (DALLARI, 2007, p. 199)
58 Julgamos conveniente apresentar em destaque a formulação de Luis Roberto Barroso com evidente conotação de “constitucionalismo contemporâneo”, ou “neoconstitucionalismo”: : “Constitucionalismo significa, em essência, limitação do poder e supremacia da lei (Estado de direito, rule of the law, Rechtsstaat). O nome sugere, de modo explícito, a existência de uma Constituição, mas a associação nem sempre é necessária ou verdadeira. Há pelo menos um caso notório em que o ideal constitucionalista está presente independentemente de Constituição escrita – o do Reino Unido – e outros, muito mais numerosos, em que ele passa longe, apesar da vigência formal e solene de Cartas escritas. Exemplo inequívoco é o fornecido pelas múltiplas ditaduras latino-americanas dos últimos quarenta anos. Não basta, portanto, a existência de uma ordem jurídica qualquer. É preciso que ela seja dotada de determinados atributos e que tenha legitimidade, a adesão voluntária e espontânea de seus destinatários. Em um Estado constitucional existem três ordens de limitação do poder. Em primeiro lugar, as limitações materiais: há valores básicos e direitos fundamentais que hão de de ser sempre preservados, como a dignidade da pessoa humana, a justiça, a solidariedade e os direitos à liberdade de religião, de expressão, de associação. Em segundo lugar, há uma específica estrutura orgânica exigível: as funções de legislar, administrar e julgar devem ser atribuídas a órgãos distintos e independentes, mas que, ao mesmo tempo, se controlem reciprocamente (cheks and balances). Por fim, há as limitações processuais: os órgãos do poder devem agir não apenas com fundamento na lei, mas também observando o devido processo legal, que congrega regras tanto de caráter procedimental (contraditório, ampla dfesa, inviolabilidade do domicílio, vedação de provas obtidas por meios ilícítos) como de natureza substantiva (racionalidade, razoabilidade-proporcionalidade, inteligibilidade). Na maior parte dos Estados ocidentais instituíram-se, ainda, mecanismos de controle de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.” (BARROSO, 2010, p. 5-6).
59 Conforme afirma Eric Hobsbaw: “Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência da revolução industrial britânica, sua política e ideologia foram formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa. A Grã-Bretanha forneceu o modelo para as ferrovias e fábricas, o explosivo econômico que rompeu com as estruturas socioeconômicas tradicionais do mundo não europeu; mas foi a França que fez suas revoluções e a elas deu suas idéias, a ponto de bandeiras tricolores de um tipo ou de outro terem-se tornado o emblema de praticamente todas as nações emergentes, e a política européia (ou mesmo mundial) entre 1789 e 1917 foi em grande parte a luta a favor e contra os princípios de 1789, ou os ainda mais incendiários de 1793. A França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radical democrática para a maior parte do mundo. A França deu o primeiro grande exemplo, o conceito e o vocabulário do nacionalismo. A França forneceu os códigos legais, o modelo de organização técnica e científica e o sistema métrico de medidas para a maioria dos países. A ideologia do mundo moderno atingiu as antigas civilizações que tinham até então resistido às idéias européias inicialmente através da influência francesa. Esta foi a obra da Revolução Francesa.” (HOBSBAWM, 2007, p. 83-84); com o mesmo entendimento sobre a marcante influência da Revolução Francesa no pensamento constitucionalista, Luis Roberto Barroso: “A Revolução Francesa, cuja deflagração é simbolizada pela queda da Bastilha, em 1789, foi um processo mais profundo, radical e tormentoso de transformação política e social. E, na visão de superfície, menos bem-sucedido, pela instabilidade, violência e circularidade dos acontecimentos. A verdade, contudo, é que foi a Revolução Francesa – e não a americana ou a inglesa – que se tornou o grande divisor histórico, o marco do advento do Estado liberal. Foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, com seu caráter universal, que divulgou a nova ideologia, fundada na Constituição, na separação de poderes e nos direitos individuais. Em 1791 foi promulgada a primeira Constituição francesa.” (BARROSO, 2010, p. 77)
60 “As camadas mais pobres eram vítimas de todas as arbitrariedades [“de uma classe social parasitária e detentora de privilégios, como a nobreza”], mas também os burgueses sofriam violências e eram impotentes contra elas. [...] Esses tremendos abusos contribuíram, sem qualquer dúvida, para o desenvovimento de filosofias políticas que exaltavam os valores fundamentais da pessoa humana e se opunham ao arbítrio, como o Liberalismo e o Racionalismo, bastando lembrar como exemplos alguns autores que exerceram enorme influência, como Locke, na Inglaterra, Hugo Grócio e Spinoza, na Holanda, Rousseau e Montesquieu, na linha francesa, todos sustentando a existência de valores inerentes à condição humana e decorrentes da própria natureza. Esses e outros pensadores foram muitas vezes expressamente referidos nos debates políticos e nos documentos que definiram a Constituição como expressão de ideais político e como definidora da forma de organização mais condizente com as exigências do respeito ao indivíduo e aos seus direitos.” (DALLARI, 2010, p. 100-101); com sentido semelhante, “No plano das idéias e da filosofia, o constitucionalismo moderno é produto do iluminismo e do jusnaturalismo racionalista que o acompanhou, com o triunfo dos valores humanistas e da crença no poder da razão. Nesse ambiente, modifica-se a qualidade da relação entre o indivídulo e o poder, com o reconhecimento de direitos fundamentais inerentes à condição humana, cuja existência e validade independem de outorga por parte do Estado.” (BARROSO, 2010, p. 77);
61 “O advento do Estado liberal, a consolidação dos ideais constitucionais em textos escritos e o êxito do movimento de codificação simbolizaram a vitória do direito natural, o seu apogeu. Paradoxalmente, representaram, também, a sua superação histórica. No incício do século XIX, os direitos naturais, cultivados e desenvolvidos ao longo de mais de dois milênios, haviam se incorporado de forma generalizada aos ordenamentos positivos. Já não traziam a revoluão, mas a conservação. Considerado metafísico e anticientífico, o direito natural é empurrado para a margem da história pela onipotência positivista do século XIX.” (BARROSO, 2011, P. 238); e também Paulo Bonavides: “Esse Direito Constitucional professadamente científico ou apolítico, o Estado liberal só o conheceu depois que seus juristas haviam, com máxima tranqüilidade, cimentado um Estado de direito fora de todas as contestações contra-revolucionárias do absolutismo.” (BONAVIDES, 2007, p.39).
62 CANOTILHO, 2003, p. 51-60).
63 “Um ponto extremamente importante, que decorre dessas observações sobre a origem histórica da Constituição em sentido jurídico, é a constatação de que ela teve por base a realidade social e não uma doutrina política ou a proposta de algum teórico. Evidentemente, fazem parte desa realidade as crenças, o apego a determinados valores e os ideais, bem como as considerações racionais do povo e dos governantes, fatores que levaram à consolidação de certos costumes e á adoção reiterada de determinadas orientações na decisão dos conflitos. Assim, portanto, a Constituição autêntica em sentido jurídico não foi em sua origem nem deve ser em qualquer circunstância o produto exclusivo de decisões racionais, nem de comportamentos sociais espontâneos, materialmente determinados, nem apenas de opções de caráter moral, nem ainda de decretos governamentais arbitrários. Todos esses elementos, componentes da realidade social, exerceram e podem exercer certa influência, que foi e será maior ou menor em cada circunstância. Além disso, o conhecimento da origem histórica deixa claro que a constituição de fato está nos fundamentos da Constituição em sentido jurídico.” (DALLARI, 2010, p. 32-33)
64 “A assertiva de que a Constituição tem valor de norma – e de norma suprema do ordenamento jurídico -, se hoje passa por um truísmo, é, na realidade, um produto do pensamento cnstitucionalista, que culmina uma sucessão de registros de inteligência sobre o tema, muitas vezes desencontrados. O prestígio jurídico da Constituição, no momento presente, é resultante da urdida de fatos e idéias, em permanente e intensa interação recíproca, durante o suceder das etapas da História.”(BRANCO, 2011, p. 46).
65 Para uma exposição da “questão social”, ver DANTAS, Miguel Calmom . Constitucionalismo Dirigente e Pós-modernidade. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 173-190.
66 “Instalou-se no período de entreguerras rico debate, dominado por Carl Schmitt e Hans Kelsen, em torno dos instrumentos de proteção da Constituição. A discussão foi interrumpida, dramaticamente, com a Segunda Guerra Mundial. Terminado o conflito, a reveleção dos horrores do totalitarismo reacendeu o ímpeto pela busca de soluções de preservação da dignidade humana, contra os abusos dos poderes estatais. Os países que saíam do trauma dos regimes ditatoriais buscaram proteger as declarações liberais das suas constituições de modo eficaz. O Parlamento, que se revelara débil diante da escalada de abusos contra os direitos humanos, perdeu a primazia que o marcou até então. A Justiça Constitucional, em que se viam escassos motivos de perigo para a democracia, passou a ser o instrumento de proteção da Constituição – que , agora, logra desfrutar de efetiva força de normal superior do ordenamento jurídico, resguardada por mecanismo jurídico de censura dos atos que a desrespeitem. A Justiça constitucional se alastrou pela Europa, na medida em que os seus países se democratizaram. Foi acolhida em Portugal e na Espanha, nos anos 1970. Com a queda do comunismo, foi igualmente recebida nas antigas ditaduras do leste europeu.” (BRANCO, 2011, p. 55)
67 “A Constituição é o primeiro e principal elemento na interface entre política e direito. Cabe a ela transformar o poder constituinte originário – energia política em estado quase puro , emanada da soberania popular – em poder constituído, que são as instituições do Estado, sujeitas à legalidade jurídica, a rule of law.”(BARROSO, 2011, p. 373-374)
68 Cf. BOLZAN DE MORAIS, 2008, p. 180-181.
69 “Um dado interessante é que o maior desenvolvimento do Constitucionalismo a partir da segunda metade do século XX, com expressiva contribuição para o aumento da eficácia das normas constitucionais no mundo contemporâneo, ocorreu justamente naqueles países que, tendo vivido sob sistemas totalitários até a segunda guerra mundial, procuraram depois consolidar com base numa Constituição, uma ordem social e política democrática. Tenha-se em conta, igualmente, a importância da Constituição na vida dos povos saídos ou tentando sair de uma situação de dominação colonial ou imperialista, em seus vários matizes antigos e modernos. Também para estes povos a Constituição adquiriu a significação de um passo necessário, ainda que não suficiente, para a garantia da liberdade ea justiça social.” (DALLARI, 2010, p. 161).
70 DIDIER Jr. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao ao direito processual civil, parte geral e processo de conheciento. 18a ed. – Salvador : Jus Podivm, 2016, p. 41-47.
71 Fredie Diddier Jr. ressalva que as máximas de proporcionalidade e razoabilidade podem ser chamadas postulados, princípios ou regras, de acordo com a teoria que se adote (p. 43).
72 Conforme MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, Volume 1, Teoria do Processo Civil. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 156-163.
73 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, Volume 1, Teoria do Processo Civil. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 157..
74 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, Volume 1, Teoria do Processo Civil. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 157..
75 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, Volume 1, Teoria do Processo Civil. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 158..
76 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, Volume 1, Teoria do Processo Civil. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 158..
77 A expressão entre aspas é de Michele Taruffo (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 293).
78 Refere-se aqui a visão doutrinária que identifica a grande relevância da crescente constitucionalização do direito em geral, e do processo em particular.
79 “Por razões desse gênero formulei uma distinção entre a função endoprocessual da motivação, conexa ao problema da impugnação, no sentido acima destacado, e a função extraprocessual da motivação, que pode ser compreendida somente no contexto das garantias fundamentais da administração da justiça, típicas do Estado democrático moderno. Essa segunda função é estreitamente conexa com o conceito democrático do exercício do poder, segundo o qual quem exercita um poder deve justificar o modo pelo qual o faz, submetendo-se, portanto, a um controle externo difuso das razões pelas quais o exercitou daquele determinado modo. Nesse sentido, o dever de motivação constitucionalmente garantido assume um valor político fundamental: é o instrumento por meio do qual a sociedade se coloca em condições de conhecer e de analisar as razões pelas quais o poder jurisdicional é exercitado, de modo determinado, no caso concreto. Trata-se de um valor político em si, já que o controle do exercício do poder é a base da soberania da sociedade, que assim é posta em condições de exercê-lo. Trata-se também de um valor político instrumental, já que através do controle sobre a motivação é possível verificar se os outros princípios fundamentais foram realizados, como o da legalidade e o da imparcialidade na administração da justiça, típicos do moderno Estado de Direito.” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 20-21).
80 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 287.
81 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 20;340).
82 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 287.
83 “A exigência dessa função eminentemente política do dever de motivação foi, certas vezes, negada ou desconhecida, sob a base de conceitos estritamente dogmáticos dos fenômenos processuais, segundo os quais nenhum aspecto da disciplina do processo teria conotação política. Diz-se, às vezes, que a sociedade, como tal, não lê sentenças, e, portanto, não faria sentido falar de um controle social difuso da sua motivação. Não é o caso de entrar aqui nos detalhes dessa discussão, mas qualquer observação geral pode ser feita. O argumento segundo o qual os fenômenos processuais não teriam nem poderiam ter alguma implicação extraprocessual, e menos ainda implicações políticas, exprime uma posição tecnicista e substancialmente empobrecida da administração da justiça, segundo a qual o processo seria constituído de uma massa de detalhes técnicos e mecanismos, ao qual seria estranha qualquer conotação valorativa. Não é por acaso que essas perspectivas são opostas ao pleno reconhecimento das garantais constitucionais do processo em toda a sua efetiva extensão e continuam a constituir a base de propostas metodológicas segundo as quais a doutrina processual deveria ocupar-se somente da exegese das normas codificadas. Resultam evidentes a limitação e a parcialidade dessas perspectivas: essas não colhem o sentido profundo do fenômeno representado pela constitucionalização dos direitos na sua totalidade. Esse mesmo fenômeno traz à luz as profundas implicações políticas presentes em muitíssimas áreas do ordenamento jurídico: naquilo que diz respeito às garantias constitucionais do processo, basta pensar, por exemplo, na garantia de defesa, no princípio da igualdade das partes e naquele da submissão do juiz à lei para dar-se conta de que o processo se encontra em um plano bem diverso daquele do tecnicismo dogmático caro aos exegetas das regras processuais ordinárias.” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 21-22).
84 “No seu significado mais profundo, o princípio em exame exprime a exigência geral e constante de controlabilidade sobre o modo com que os órgãos estatais exercem o poder que o ordenamento confere-lhes, sendo sob esse perfil a obrigatoriedade da motivação da sentença uma manifestação específica de um „princípio de controlabilidade‟ mais geral que parece essencial à moderna noção do Estado de direito e que produz consequências análogas também em campos diferentes daquele da jurisdição.” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 340)
85Veja-se, por exemplo, o trecho citado na nota acima – “...que parece essencial à moderna noção do Estado de direito...”, e os seguintes trechos (grifamos em negrito): “Em si considerado, o princípio constitucional da obrigatoriedade da motivação (...) mas representa também uma norma para o juiz‟, na medida em que constitui um princípio jurídico-político fundamental para a administração da justiça na estrutura do Estado de direito configurada na Constituição.”; “O princípio da obrigatoriedade da motivação dos provimentos jurisdicionais insere-se no sistema das garantias que as constituições democrática criaram para a tutela das situações jurídica dos indivíduos diante do poder estatal e, em particular, diante das manifestações que esse conhece mediante a jurisdição. Nesse nível de generalidade, trata-se de uma constatação óbvia, que como tal não necessita de demonstrações específicas.”; “De qualquer forma, e malgrado as dificuldades, parece evidente que existe uma conexão direta entre o dever de motivação e o caráter democrático do sistema político e do sistema jurisdicional.” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., respectivamente, p. 340;335;23); “O dever de fundamentação das decisões judiciais é inerente ao Estado Constitucional...”; “A fundamentação das decisões judiciais é ponto central em que se apoia o Estado Constitucional...” (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015, respectivamente, p. 110;492); “Outro importante princípio, voltado como o da publicidade ao controle popular sobre o exercício da função jurisdicional, é o da necessária motivação das decisões judiciárias. Na linha de pensamento tradicional, a motivação das decisões judiciais era vista como garanta das partes, com vistas a possibilidade de sua impugnação para efeito de reforma. Era só por isso que as leis processuais comumente asseguravam a necessidade de motivação. (CPP, art. 381; CPC, art. 165 c/c art. 458; CLT, art. 832). Mais modernamente foi sendo salientada a função política da motivação das decisões judiciais, cujos destinatários não são apenas as partes e o juiz competente para julgar eventual recurso, mas quisquis de populo, com a finalidade de aferir-se em concreto a imparcialidade do juiz e a legalidade e justiça das decisões.” (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26a edição, revista e atualizada. São Paulo : Malheiros Editores, 2010. p. 74-75)
86 Isto tudo é melhor – e integralmente - dito nas palavras do próprio Taruffo: “O argumento segundo o qual não faria sentido falar de função extraprocessual da motivação, porque a sociedade e a opinião pública não leem – e nem poderiam ler – milhões de sentenças, funda-se em um equívoco evidente. As garantias que operam para fins de controle do exercício do poder não têm sentido somente quando o controle vem efetivamente exercitado, mas na medida em que o controle possa ser exercido: não a efetividade empírica, mas a possibilidade de controle, constitui o fundamento e a função da garantia. Essa justifica os seus efeitos, na verdade, quando impõe ao juiz que se comporte – ao redigir a sentença – como se essa fosse, verdadeiramente, submetida a um controle externo. Para se dizer de outra forma, ao redigir a motivação o juiz deve se colocar na condição daquele que se volta àquilo que Perelman define como o auditório universal, não somente às partes, seus advogados e aos juízes de eventual impugnação.” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 22).
87TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 22.
88TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 22.
89 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 24-25, 330 e ss., 374 e ss.
90 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, Volume 1, Teoria do Processo Civil. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 117.
91 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 25.
92 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 25-26.
93 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, Volume 1, Teoria do Processo Civil. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 118-119.
94 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, Volume 1, Teoria do Processo Civil. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 119-120.
95 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, Volume 1, Teoria do Processo Civil. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 509 e ss.
96 DIDIER Jr. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao ao direito processual civil, parte geral e processo de conheciento. 18a ed. – Salvador : Jus Podivm, 2016, p. 82.
97 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, Volume 1, Teoria do Processo Civil. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 511.
98 “A alocação do dever de fundamntação e do direito à publicidade como normas fundamentais do processo civil – especialmente previstas em conjunto e na sequência do direito ao contraditório – visa a caracterizar o processo civil brasileiro e a administração da Justiça em nosso país a partir de uma ideologia democrática. As razões invocadas pelas partes devem ser ouvidas e a fundamentação ocorre em função da necessidade de controle de poder pelas partes e pela sociedade em geral, o que é justamente assegurado pela publicidade do processo e dos seus atos.”(MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 110.)
99 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 493.
100 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 491.
101 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. cit., p. 25.
102 De forma completa: “Para aplicar o direito é preciso interpretar fatos, provas e fontes dotadas de autoridade institucional – notadamente leis e precedentes. Interpretar significa individualizar possíveis significados dos fatos, das provas e dos textos com que se expressam legisladores e juízes, valorar argumentativamente esses possíveis significados e decidir entre os significados correspondentes. Isso quer dizer que a sentença contém várias decisões interpretativas: decisões sobre desacordos fáticos, probatórios e normativos. Para que seja dotada de racionalidade – e, portanto, para que seja aceitável do ponto de vista do Estado Constitucional – a sentença deve ser estruturada não só a partir da fórmula apresentada no art. 489, caput, CPC, mas também a partir da necessidade de racionalidade decisória: daí que é imprescindível reconhecer a necessidade de termos para cada decisão correlata justificação. A justificação deve ser interna (lógica) e externa (argumentativa). Além da imprescindibilidade de a atividade interpretativa desenvolvida pelo intérprete ser racional, também o resultado da interpretação deve sê-lo; daí que as decisões interpretativas devem ser coerentes e universalízáveis (art. 926, CPC). Os elementos essenciais da sentença servem justamente para evidenciar a racionalidade das opções interpretativas e viabilizar o respectivo controle intersubjetivo.” (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 491-492).
103 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 492.
104 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 492.
105 “Não se considera fundamentada a decisão, portanto, que apenas finge aplicar precedentes, mas que na verdade não patrocina efetivo processo de identificação de razões e de demonostração da pertinência da ratio decidenti com o caso concreto. Como refere o art. 499, § 1o, V, CPC, é preciso identificar as razões determinantes das decisões e a efetiva ligação como caso concreto, demonstrando-se que esse se ajusta àqueles fundamentos. Do contrário, não há que se falar em decisão fundamentada.” (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 494).
106 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 494.
107 Em termos mais amplos e articulados: “12. Colisão entre normas. Não é incomum que diferentes princípios apontem para finalidades opostas ou de algum modo colidentes que devem ser ao mesmo tempo promovidas. Não é incomum igualmente, dada a defectibilidade das regras, que ocorram situações em que a aplicação da regra geral ao caso particular não se harmoniza como fim para o qual a regra foi em tese pensada. Em outras palavras, não é incomum a existência de exceções implícitas às regras (defeasibility). Em todas essas situações, é preciso estruturar a interpretação normativa com outras normas, destinadas justamente a estruturar a aplicação racional dos princípios e das regras. São os chamados postulados normativos. A fim de que o processo interpretativo seja o mais racional e controlável possível, é preciso que se identifique, em qualquer caso, exatamente quais as finalidades em jogo (no caso dos princípios) e qual a incompatibilidade entre o caso concreto e a normal geral que aponta para a existência de exceções implícitas (no caso das regras), além de mostrar de que modo essas espécies normativas contribuem para a solução do caso concreto (art. 489, § 1o, I, CPC). Ainda, é preciso mostrar por que determinado postulado deve ser empregado e não outro para solução do embate normativo (art. 489, § 1o, I, CPC). É isso que o art. 489, § 2o, CPC, quer dizer: é preciso identificar as normas que devem ser aplicadas e o respectivo postulado que estrutura a correlata aplicação. Fora daí há arbitrariedade na solução dos conflitos normativos por ausência de adequada fundamentação (art. 489, § 2o, CPC)” (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 494-495).
Rerências bibliográficas
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